Antes que eles cresçam

 

Foto: Leni David

 

 Affonso Romano de Sant’anna

Há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos. É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros  estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular, entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e os assaltos das estações. Crescem com uma estridência alegre e às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem de repente. Um dia sentam-se perto de você no terraço e dizem uma frase com tal maturidade, que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde é que andou crescendo aquela danadinha, que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

A criança está crescendo num ritual de obediência orgânica, desobediência civil. E você agora está ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos.

Entre hamburguers e refrigerantes lá estão nossos filhos, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros nus, ou, então, com a blusa amarrada na cintura. Está quente, achamos que vão estragar a blusa, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, com os cabelos já embranquecidos. Esses são os filhos que conseguimos gerar apesar dos golpes dos ventos, das colheitas das notícias e das ditaduras das horas. E eles crescem meio amestrados, observando muitos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Não mais os colhemos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, do inglês, da natação e do judô. Saíram do banco de trás e passaram para o volante das próprias vidas.

Deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer, para ouvirmos sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância e os adolescentes cobertos, naquele quarto cheio de adesivos, posters, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não, não os levamos suficientes vezes ao maldito Play Center, Shopping, não lhes demos suficientes hamburguers e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, bolachas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhos. Sim, havia as brigas dentro do carro, disputa pela janela, pedido de chicletes e sanduíches, cantorias infantis. Depois chegou a idade em que viajar com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível largar a turma e os primeiros namorados. Os pais ficaram, então, exilados dos filhos. Tinham a solidão que sempre desejaram, mas, não de repente, morriam de saudades daquelas pestes. O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar nosso afeto.

 

Observação: Esta crônica tem muito a ver com algumas coisas que tenho pensado nos últimos tempos!

Como ser brasileiro em Lisboa sem dar muito na vista

 

Sim, eu sei que não será culpa sua, mas se você desembarcar em Lisboa sem um bom domínio do idioma, poderá ver-se de repente em terríveis águas de bacalhau. Está vendo ? Você já começou a não entender…

Um casal brasileiro, amigo meu, alugou um carro e seguia tranqüilamente pela estrada Lisboa-Porto, quando deu de cara com um aviso : « Cuidado com as bermas ». Eles ficaram assustados – que diabo seria berma ? Alguns metros à frente, outro aviso : « cuidado com as bermas ». Não resistiram : pararam no primeiro posto de gasolina, perguntaram o que era uma berma e só respiraram tranqüilos quando souberam que berma era o acostamento.

Você poderá ter alguns probleminhas se entrar numa loja de roupas desconhecendo certas sutilezas da língua. Por exemplo, não adianta pedir para ver os ternos – peça para ver os fatos. Paletó é casaco. Meias são peúgas. Suéter é camisola – mas não se assuste, porque calcinhas femininas são cuecas. (Não é uma delícia ?). Pelo mesmo motivo, as fraldas de criança são chamadas cuequinhas de bébe. Atenção também para os nomes de certas utilidades caseiras. Não adianta falar em esparadrapo – deve-se dizer pensos. Pasta de dente é dentifrício. Ventilador é ventoinha. E no caso gravíssimo de você ter de tomar uma injeção na nádega, desculpe, mas eu não posso dizer que é feio…

Ah, que maravilha o futebol em Portugal ! Um goleiro é um guarda-redes. Só isso e mais nada. Os jogadores do Benfica usam camisola encarnada – ou seja, camisa vermelha. Gol é Golo. Bola é esférico. Pênalti é penálti. Se um jogador se contunde em campo, o locutor diz que ele se aleijou, mesmo que se recupere com uma simples massagem. Gramado é relvado ; muito mais poético, não é ?…

Um sujeito preguiçoso é um mandrião. Um indivíduo truculento é um matulão. Um tipo cabeludo é um gadelhudo. Quando não se gosta de alguém, diz-se : « não gramo aquele gajo ». Quando alguém fala mal de você e você não liga, deve dizer : « estou-me nas tintas » ; ou então : « estou-me marimbando »… Um homem bonito que as brasileiras chamariam pão, é chamado pelas portuguesas de pessegão. E uma garota de fechar o comércio, é, não sei porque, um borrachinho.

Mas, o pior equívoco em Portugal, foi quando pifou a descarga da privada do meu quarto de hotel e eu telefonei para a portaria : « podem me mandar um bombeiro para consertar a privada ? » O homem não entendeu uma única palavra. Eu devia ter dito : « ó Pá, manda um canalizador para reparar o autoclismo da retrete ».

Ruy Castro. « Viaje Bem », Revista de bordo da VASP n° 8, 1978.

 

Em tempo: O post já foi publicado em outro blog e o leitor José Carlos achou que “seria conveniente salientar que esse texto não teria hoje a mesma importância como na época em que foi originalmente publicado”.  E ele  acrescenta algumas palavras que não fazem parte do texto publicado:

 BICA : cafezinho
BICHA : fila
STUB : ônibus urbano
TOSTA : torrada
TOSTA MISTA : misto quente
PENSO HIGIENICO : absorvente intimo
GRELOS : folhas do nabo
PICA : injeção
PREGO : bife no pão

Mais um interessante e sugestivo comenário enviado por Vanessa Garcia, do blog Pérolas de Mulher :

 “Conheço muito bem todas as confusões das diferenças linguísticas entre brasileiros e portugueses. Tenho um português dentro de casa, meu pai. E a vida inteira sempre ouvi dele que odiava entrar em bicha e que iria na padaria comprar um cacete  e que teria que ir buscar os putinhos (netos dele, pois tem filhas do primeiro casamento) e levá-los para passear. “ Pior é quando ele e minha mãe (que é brasileira) dançam de vez em quando após o almoço música pimba (músicas portuguesas com duplo sentido nas letras, são engraçadas, porém cafonas demais) por pura diversão”.

Obrigada, Vanessa, pelo comentário oportuno e muito esclarecedor. Aproveito para acrescentar que uma jovem (uma menina, ou garota, como dizemos aqui) em Portugal é chamada de RAPARIGA. Não é engraçado? Rapariga para nós (pelo menos na Bahia) é outra coisa!