Ano Novo – Nouvelle Année

 

Pedras no caminho? Guardo todas; um dia vou construir um castelo… Dizia a poeta Cora Coralina.

É evidente que a vida prega peças e que 2012 foi um ano cheio; um pouco de coisas boas, algumas frustrações, algumas desavenças e momentos de alegria e felicidade.

O ano novo pode ser diferente, maravilhoso, divertido; mas certamente não será perfeito, em razão das pedras no caminho.

Mas, em 2013, quero um olhar novo e o coração tranquilo para desejar paz aos meus amigos, e uma luz tão serena em suas vidas quanto a da lua de Itaparica sobre as águas da Baía de Todos os Santos.

E como diz o poeta Idmar Boaventura,

… ano a ano,

Janeiro nos rejuvenesce,

com sua porção generosa

de esperança.

Por isso convido a todos para um brinde, proposto pelo poeta. Que o Ano Novo seja um Ano BOM. Feliz 2013!

A foto da lua cheia sobre a Baía de Todos os Santos foi feita por mim, em Mar Grande (Itaparica), e tem ao fundo a cidade de Salvador – Bahia

Maintenant la traduction pour les amis français :

Des pierres sur le chemin? Je les garde, toutes; un jour je construirai un château avec elles… Disait la poétesse Cora Coralina.

Il est évident que la vie nous donne des coups et que 2012 a été une année pleine; un peu de bonnes choses, quelques frustations, quelques malentendus et des moments de joie et de bonheur.

La nouvelle année peut être différente, merveilleuse, joyeuse; mais, certainement elle ne sera pas parfaite, à cause des pierres sur le chemin.

Mais, en 2013, je veux avoir un regard nouveau et le coeur tranquille pour souhaiter la paix à tous mes amis, et une lumière si sereine dans leur vie, comme celle de la lune d’Itaparica sur les eaux de la Baie de Tous les Saints, à Bahia.

Joyeux 2013!

                          Brinde

 

Antônio Brasileiro

Se a mente, que não é nada, mantém-se quieta

e as vozes do remorso não persistem,

eis o momento de desvendar enigmas,

de relembrar caminhos

e de tomar uns chopes com os amigos.

.

Pois se a mente, que não é nada, está quieta

– os enigmas mais crus, domesticados –

e o passado é um pássaro em nossa mão,

eis que o homem conhece a perfeição.

E como tudo passa tão rapidamente,

é bom brindar essas coisas com amigos.

 

Ano Novo!

 

Idmar Boaventura

Bendito seja Janeiro,

que nos dá a chance de começar             de          novo.

Dezembro é crepúsculo. Tem gosto

de coisas velhas guardadas na gaveta

com as luzinhas da árvore de natal.

Dezembro, mês de balanço,

é cansaço, desencanto.

O que não se fez. O que não se cumpriu.

O que poderia ter sido.

.

Mas quando Janeiro, menino,

desponta  no horizonte,

com sua roupa branca e cheiro de mar,

tudo se renova:

aquela dieta, o guarda-roupa, desencontros, amores:

tudo que havemos de ser,

ainda que não seja.

E assim, ano          a           ano,

Janeiro nos rejuvenesce,

com sua porção generosa

de esperança.

A lua cheia (sobre a Baía de Todos os Santos) vista de Itaparica; ao fundo, as luzes de Salvador.

Fonte: Dissonâncias no espelho – aqui

 

O insustentável preconceito do ser!

 

Rosana Jatobá

Era o admirável mundo novo! Recém-chegada de Salvador, vinha a convite de uma emissora de TV, para a qual já trabalhava como repórter. Solícitos, os colegas da redação paulistana se empenhavam em promover e indicar os melhores programas de lazer e cultura, onde eu abastecia a alma de prazer e o intelecto de novos conhecimentos.

Era o admirável mundo civilizado! Mentes abertas com alto nível de educação formal. No entanto, logo percebi o ruído no discurso:

– Recomendo um passeio pelo nosso “Central Park”, disse um repórter. Mas evite ir ao Ibirapuera nos domingos, porque é uma baianada só!

– Então estarei em casa, repliquei ironicamente.

– Ai, desculpa, não quis te ofender. É força de expressão. Tô falando de um tipo de gente.

– A gente que ajudou a construir as ruas e pontes, e a levantar os prédios da capital paulista?

– Sim, quer dizer, não! Me refiro às pessoas mal-educadas, que falam alto e fazem “farofa” no parque.

– Desculpe, mas outro dia vi um paulistano que, silenciosamente, abriu a janela do carro e atirou uma caixa de sapatos.

– Não me leve a mal, não tenho preconceitos contra os baianos. Aliás, adoro a sua terra, seu jeito de falar…

De fato, percebo que não existe a intenção de magoar. São palavras ou expressões que , de tão arraigadas, passam despercebidas, mas carregam o flagelo do preconceito. Preconceito velado, o que é pior, porque não mostra a cara, não se assume como tal. Difícil combater um inimigo disfarçado.

Descobri que no Rio de Janeiro, a pecha recai sobre os “Paraíba”, que, aliás, podem ser qualquer nordestino. Com ou sem a “cabeça chata”, outra denominação usada no Sudeste para quem nasce no Nordeste.

Na Bahia, a herança escravocrata até hoje reproduz gestos e palavras que segregam. Já testemunhei pessoas esfregando o dedo indicador no braço, para se referir a um negro, como se a cor do sujeito explicasse uma atitude censurável.

Numa das conversas que tive com a jornalista Miriam Leitão, ela comentava:

– O Brasil gosta de se imaginar como uma democracia racial, mas isso é uma ilusão. Nós temos uma marcha de carnaval, feita há 40 anos, cantada até hoje. E ela é terrível. Os brancos nunca pensam no que estão cantando. A letra diz o seguinte:

“O teu cabelo não nega, mulata

Porque és mulata na cor

Mas como a cor não pega, mulata

Mulata, quero o teu amor”.

“É ofensivo”, diz Miriam. Como a cor de alguém poderia contaminar, como se fosse doença? E as pessoas nunca percebem.

A expressão “pé na cozinha”, para designar a ascendência africana, é a mais comum de todas, e também dita sem o menor constragimento. É o retorno à mentalidade escravocrata, reproduzindo as mazelas da senzala.

O cronista Rubem Alves publicou esta semana na Folha de São Paulo um artigo no qual ressalta:

“Palavras não são inocentes, elas são armas que os poderosos usam para ferir e dominar os fracos. Os brancos norte-americanos inventaram a palavra ‘niger’ para humilhar os negros. Criaram uma brincadeira que tinha um versinho assim:

‘Eeny, meeny, miny, moe, catch a niger by the toe’…que quer dizer, agarre um crioulo pelo dedão do pé (aqui no Brasil, quando se quer diminuir um negro, usa-se a palavra crioulo).

Em denúncia a esse uso ofensivo da palavra , os negros cunharam o slogan ‘black is beautiful’. Daí surgiu a linguagem politicamente correta. A regra fundamental dessa linguagem é nunca usar uma palavra que humilhe, discrimine ou zombe de alguém”.

Será que na era Obama vão inventar “Pé na Presidência”, para se referir aos negros e mulatos americanos de hoje?

A origem social é outro fator que gera comentários tidos como “inofensivos” , mas cruéis. A Nação que deveria se orgulhar de sua mobilidade social, é a mesma que o picha o próprio Presidente de torneiro mecânico, semi-analfabeto. Com relação aos empregados domésticos, já cheguei a ouvir:

– A minha “criadagem” não entra pelo elevador social !

E a complacência com relação aos chamamentos, insultos, por vezes humilhantes, dirigidos aos homossexuais ? Os termos bicha, bichona, frutinha, biba, “viado”, maricona, boiola e uma infinidade de apelidos, despertam risadas. Quem se importa com o potencial ofensivo?

Mulher é rainha no dia oito de março. Quando se atreve a encarar o trânsito, e desagrada o código masculino, ouve frequentemente:

– Só podia ser mulher! Ei, dona Maria, seu lugar é no tanque!

Dependendo do tom do cabelo, demonstrações de desinformação ou falta de inteligência, são imediatamente imputadas a um certo tipo feminino:

-Só podia ser loira!

Se a forma de administrar o próprio dinheiro é poupar muito e gastar pouco:

– Só podia ser judeu!

A mesma superficialidade em abordar as características de um povo se aplica aos árabes. Aqui, todos eles viram turcos. Quem acumula quilos extras é motivo de chacota do tipo: rolha de poço, polpeta, almôndega, baleia …

Gosto muito do provérbio bíblico, legado do Cristianismo: “O mal não é o que entra, mas o que sai da boca do homem”. Invoco também a doutrina da Física Quântica, que confere às palavras o poder de ratificar ou transformar a realidade. São partículas de energia tecendo as teias do comportamento humano.

A liberdade de escolha e a tolerância das diferenças resumem o Princípio da Igualdade, sem o qual nenhuma sociedade pode ser Sustentável. O preconceito nas entrelinhas é perigoso, porque , em doses homeopáticas, reforça os estigmas e aprofunda os abismos entre os cidadãos. Revela a ignorancia e alimenta o monstro da maldade.

Até que um dia um trabalhador perde o emprego, se torna um alcóolatra, passa a viver nas ruas e amanhece carbonizado:

-Só podia ser mendigo!

No outro dia, o motim toma conta da prisão, a polícia invade, mata 111 detentos, e nem a canção do Caetano Veloso é capaz de comover:

-Só podia ser bandido!

Somos nós os responsáveis pela construção do ideal de civilidade aqui em São Paulo, no Rio, na Bahia, em qualquer lugar do mundo. É a consciência do valor de cada pessoa que eleva a raça humana e aflora o que temos de melhor para dizer uns aos outros.

PS: Fui ao Ibirapuera num domingo e encontrei vários conterrâneos.

Rosana Jatobá – jornalista, graduada em Direito e Jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, e mestra em gestão e tecnologias ambientais pela  Universidade de São Paulo.