Amizade para sempre

 

Feliz Ano Novo

Luís Pimentel

 

A turma de seis, que se encontrava com muita frequência, se reuniu para uma confraternização de Ano Novo no bar de sempre, nas imediações da faculdade. O ano era 1964, estavam todos muito jovens, cheios de disposição, saúde e projetos.

Eram cinco rapazes e a Sylvinha, a linda Sylvinha, que participava com os amigos de todos os assuntos – inclusive futebol e mulher – e bebia igual a todos eles, adorava todos eles, não dava para nenhum. A turma, em peso, também adorava a Sylvinha, mas detestava sua determinação nesse último quesito.

O sexteto entornou todas, comeu mais ainda, e prometeu repetir a dose dali a 50 anos se estivessem vivos (claro que estariam! Ninguém pensa que pode morrer um dia quando se está em torno dos dezenove anos). Cada um falou muito de seus projetos futuros, quem ia exercer a profissão no interior, quem faria doutorado na Europa ou nos Estados Unidos, quem seria o primeiro a ficar rico e, especialmente, quem seria o primeiro a pegar a Sylvinha.

Os planos dela eram os mais singelos:

– Quero apenas casar e ter filhos. Mas não será com nenhum de vocês.

Três meses depois daquele encontro, no dia 31 de março, o golpe militar desaguou na ditadura cuja história é hoje conhecida de jovens e de velhos,  desencadeou ações, reações e dilacerações de todos os planos e projetos. Os amigos, divididos entre a porra-louquice, casamento, luta-armada, exílio, etc, se perderam.

Mas se acharam em 2014, depois de pesquisas nas redes oficiais, e voltaram ao velho pé-sujo – agora um boteco de grife metido a besta, mas funcionando no mesmo endereço. Foram se chegando, um a um (até porque alguns já caminhavam com certa dificuldade), até darem conta de que só faltava a Sylvinha. Abriram os trabalhos e as garrafas com a seção-confissões: três entraram e saíram do PT, dois não podiam mais beber, todos haviam casado e se separado, um ficara rico, nenhum pegara a Sylvinha.   

Que, aliás, chegou nesse exato momento, mais bonita do que nunca, agora de óculos grossos e cabelos brancos:

– Feliz Ano Novo, meninos!

Bonito ver aqueles quase setentões, todos comovidos e derretidos diante do tempo, da amizade e da beleza.

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Um poema de Vinícius de Moraes

Poema de Natal

 

Para isso fomos feitos:

Para lembrar e ser lembrados

Para chorar e fazer chorar

Para enterrar os nossos mortos —

Por isso temos braços longos para os adeuses

Mãos para colher o que foi dado

Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:

Uma tarde sempre a esquecer

Uma estrela a se apagar na treva

Um caminho entre dois túmulos —

Por isso precisamos velar

Falar baixo, pisar leve, ver

A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:

Uma canção sobre um berço

Um verso, talvez de amor

Uma prece por quem se vai —

Mas que essa hora não esqueça

E por ela os nossos corações

Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:

Para a esperança no milagre

Para a participação da poesia

Para ver a face da morte —

De repente nunca mais esperaremos…

Hoje a noite é jovem; da morte, apenas

Nascemos, imensamente.

 

 

Natal irrita e deprime quem não está a fim de festa nem tem paciência para compras

 

PapaiNoel2

Regiane Teixeira / De São Paulo

 É tarefa complicada para qualquer um desviar de luzes, propagandas e gente com sacolas em dezembro. Provavelmente dói mais na professora Adriana Bauer, 48, do que em você.

Ela faz parte de um grupo de pessoas que não acha nenhuma graça na risada do Papai Noel e que se sente mais angustiado nesta época. “Fica todo mundo louco para fazer compras, viajar, sair de férias”, diz. “Quem não pensa nisso fica desconectado.”

Os motivos para não se sentir no clima natalino vão desde a irritação pelo excesso de consumismo até o aumento de ansiedade por conta da pressão para ser sociável com familiares, amigos e colegas de trabalho.

 

Ceia magra

Não existe um termo clínico para definir a “depressão de Natal”, mas psicólogos observam um “boom” de reclamações de pacientes no período. “A sensibilidade das pessoas está à flor da pele e, por ser o final de um ciclo, é uma época em que se faz um balanço das expectativas e das relações”, diz o professor de psicologia da PUC-SP Hélio Roberto Deliberador.

Segundo Adriana Rizzo, voluntária do CVV (Centro de Valorização da Vida, ONG que dá suporte emocional por telefone ou internet, muito procurada por potenciais suicidas), os atendimentos disparam entre 23/12 e 1/1.

 

Que venha janeiro 

O Natal de 2012 foi um dos piores para a professora Adriana. Sem filhos, ela havia acabado de perder um cachorro doente. O marido estava desempregado.

“Não achei que tinha algo a comemorar”, diz ela, que já quebrou um dente de tanto rangê-lo, tensa que estava. “Sinto uma pressão quando vejo as pessoas indo ao shopping, pensando no que comprar, gente que nunca imaginei fazendo isso.”

O “blues” natalino “é uma queixa com tendência a crescer, pois as exigências sociais estão maiores”, diz a psicóloga Maria Aparecida das Neves, que atende Adriana há sete anos. “A pessoa pensa que não vai ter dinheiro para presentes, que tem que estar feliz, se sair bem nos eventos sociais.”

Para ela, porém, a maior preocupação é com quem tem depressão. “Imagina alguém que já não consegue fazer as coisas do dia a dia ter que ver a cunhada ou a tia de que não gosta.”

Mas, ainda que a pessoa venha com aquele papo de “prefiro ficar sozinha”, especialistas aconselham a não deixar depressivos sós na data.

O jornalista e músico Bruno Palma, 28, é outro que prefere pular as festas. Até pôs seus sentimentos numa canção.

“Eu quero desaparecer/Eu quero adormecer/E acordar só no próximo ano/Eu não quero fingir/Não quero te deixar para baixo/Voltarei quando isso terminar”, canta em inglês em “Come January” (“venha janeiro”).

Ao menos um alento da psicóloga Maria Aparecida: “O Ano-Novo já é uma data menos problemática. É quando tudo se dilui, se dispersa”.

Fonte: Folha de São Paulo

Novos poemas de Adélia Prado

 

A Paciência e seus limites

Dá a entender que me ama

mas não se declara.

Fica mastigando grama,

rodando no dedo sua penca de chaves,

como qualquer bobo.

Não me engana a desculpa amarela:

‘quero discutir lírica com você’.

Que enfado! Desembucha, homem,

 tenho outro pretendente

 e mais vale para mim vê-lo cuspir no rio

 que esse seu verso doente.

 

Senha

 Eu sou uma mulher sem nenhum mel

 eu não tenho um colírio nem um chá

 tento a rosa de seda sobre o muro

 minha raiz comendo esterco e chão.

 Quero a macia flor desabrochada

 irado polvo cego é meu carinho.

 Eu quero ser chamada rosa e flor

 Eu vou gerar um cacto sem espinho.

 

Humano

A alma se desespera,

mas o corpo é humilde;

ainda que demore,

mesmo que não coma,

dorme.

 

Poemas de Adélia Prado, do novo livro Miserere (Record – 2013) que será lançado nesta quinta-feira.

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