Delírio

Leni David

Estou só, triste e ouço o silêncio da madrugada fria. Um pássaro noturno pia agourento e um pressentimento macabro sacode o meu corpo, provoca calafrios. A solidão me angustia e busco desesperada uma presença. Pensar me atormenta e a certeza do efêmero, da morte, incute-me no espírito a insegurança. Fecho os olhos, abandono-me à impotência e sinto as lágrimas deslizarem pelas faces, salgadas e amargas…

Ouço um assobio triste que passa pela calçada molhada e ele preenche o espaço da rua deserta. Espio pela fresta da janela; a brisa leve que acaricia as árvores parece ensaiar um balé inusitado; escuto o assobio e aquela a melodia suave transporta-me para longe, leva-me para o mar. A noite é clara e o reflexo da lua branca argenteia a imensidão das águas. Respiro forte e me embriago com o cheiro forte da maresia. Abro os braços em cruz, fecho os olhos e corro descalça pela areia branca, sem rumo, sentindo a carícia da brisa leve que acaricia meu rosto, o sussurro do mar é cúmplice da minha folia e me convida para dançar sobre as vagas. Faço piruetas, dou saltos no ar, danço uma dança desvairada com as águas; solto o corpo ao sabor das ondas e deixo-me levar, ora submersa, ora flutuando acariciada pela espuma macia.

Fatigada, rolo na areia molhada e escuto o mar, companheiro e cúmplice de aventura, mas a maresia me inebria e flutuo num barco a vela, solto, perdido. À luz da lua ouço o canto da sereia e sonho que adormeço… desperto com reflexos encarnados que iluminam a terra, empurram as sombras, desnudam a vida. Minhas roupas estão rotas e sujas, molhadas. Sinto frio e fome e volto para a minha janela onde passam homens em busca do sustento, adolescentes felizes, mulheres sofridas, vagabundos, bêbados e vira-latas famintos; crianças sorrindo a caminho da escola.

Pinto um sorriso no rosto, ponho roupas no corpo, responsabilidades na bolsa e vou trabalhar. Planejo, praguejo, grito e silencio. O que fazer do meu Amor? Perdida, retorno ao meu silêncio de pedra, de máscaras. A noite chega novamente e no aconchego da solidão entrego-me aos desvarios, esperando o tempo passar.

Samba em prelúdio

Eu sem você não tenho porque, porque sem você não sei nem chorar
Sou chama sem luz jardim sem luar, luar sem amor, amor sem se dar
E eu sem você sou só desamor um barco sem mar um campo sem flor
Tristeza que vai tristeza que vem
Sem você meu amor eu não sou ninguém

Ah! que saudade que vontade de ver renascer nossa vida
Volta querida Teus abraços precisam dos meus, os meus braços precisam dos teus

Estou tão sozinho tenho os olhos cansados de olhar para o além
Vem ver a vida
Sem você meu amor eu não sou ninguém