A história passada a limpo

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Lado a Lado: Matrizes do Brasil contemporâneo

 

Alana de O.Freitas El Fahl[i]

A novela Lado a Lado escrita pelos novos autores, João Ximenes Braga e Claudia Lage,  cumpriu com maestria sua função artística de entretimento e informação simultaneamente. Com enredo desenvolvido no início do século vinte, trouxe à discussão todas as questões pulsantes daquela época e que ainda ecoam com força cem anos depois.

Ancorada em sólida pesquisa histórica, o texto reviveu páginas marcantes de nossa História, percorrendo grandes fatos como a chegada da República, as reformas urbanas de Pereira Passos (o bota-abaixo), a Revolta da vacina e a Revolta da chibata e, sobretudo, mostrando como esses eventos repercutiam no cotidiano da sociedade da época.

Construída através de personagens extremamente simbólicos, trabalhando o binômio expresso no título, buscou sempre trazer à tona esses múltiplos lados que compõem o Brasil. Do lado da Rua do Ouvidor, a Baronesa da Boa Vista, que ironicamente recusava-se a enxergar as transformações pelas quais o país passava e sempre vociferava as máximas identitárias de nossa elite: “Sabe com quem está falando” e “Ponha-se no seu lugar”, Laura feminista-vanguardista lutava para ter vez e voz num mundo patriarcal, Bonifácio Vieira, protótipo dos nossos políticos corruptos que cobram suas vantagens em qualquer regime que vigore. Do lado da favela que começava a se formar, Berenice, ambiciosa a qualquer que fosse o preço, Isabel, lutando por sua felicidade e enfrentando todos os preconceitos, Caniço, o marginal ingênuo e manipulável. Observemos que tais personagens perverte a ideia de maniqueísmo, pois o bem e mal estão no humano e não nas classes sociais.

Sem abandonar os expedientes caros de todo bom folhetim, como os amores românticos, as cartas roubadas, a bastardia, a falsa beata, a solteirona encalhada, a redenção dos humilhados, as traições pérfidas, os segredos de família, os autores conseguiram ir muito além ao retratar um período histórico que é germe do nosso Brasil de hoje, nos fazendo pensar com bastante lucidez em temas como a intolerância religiosa (o casamento ecumênico foi emocionante), o papel decisivo da cultura africana, o sistema de cotas ( a criação da escola no morro foi brilhantemente defendida na novela, inclusive com a chegada dos alunos adultos ex-escravos), o lugar da imprensa na formação da opinião pública, a relevância do futebol,  nossa tendência para a comédia no teatro entre outros aspectos.

Toda a novela é digna de elogios, os cenários, os figurinos, as cenas de rua com todos aquele burburinho de cidade moderna que surgia, a interpretação magistral dos atores (a Baronesa, insuportavelmente boa em seu papel de vilã e Zé Navalha, magnífico em seus conflitos de herói frágil), parece ter saído de uma mistura das páginas de Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio, cronistas por excelência desse Brasil revelado na trama das seis.

E por fim é claro, um clássico final feliz para o regozijo dos telespectadores, os maus punidos e os bons em uma celebração vivificante e solar, pois ao menos na ficção, temos justiça nesse país.

 


[i] Professora Adjunta de Literatura da Universidade Estadual de Feira de Santana, alana_freitas@yahoo.com.br

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10 pensou em “A história passada a limpo

  1. Texto muito coeso, em concordância com a beleza que foi essa novela! Trazendo, através da Teledramaturgia temas de teor político e social de grande relevância sem perder nem beleza e nem elegância! Suas impressões se encontram com as minhas, professora Alana!

  2. Lindo texto! Concordo com suas palavras.Há muito tempo não me emocionava com uma novela.Com Lado a Lado, tive a oportunidade de me deliciar com uma linda e emocionate trama.

  3. Eu amei. A Literatura ensina mesmo a ler o mundo. E a minha amiga faz isso super bem. Não é à toa que ela já é autora publicada, com um livro sobre Eça de Queirós, outro pensador “bala” que interpretava, em sua ficção, a vida em Portugal e outras questões humanas.
    Esse blog de Marie Fleur ficou ainda mais bonito!
    abraços!

  4. Parabéns pró, belíssimo texto! ressaltou muito bem todas as qualidades e temas discutidos nessa obra. Já li outras críticas positivas sobre essa novela e isso nos anima muito, mostra que ainda temos bons autores e obras que valem a pena serem vistas e discutidas.

  5. Uma excelente análise na minha querida pró Alana. Algumas novelas conseguem ir muito além do realismo crítico; Lado a Lado, ainda que presa ao século XX, consegue esmigalhar o real, mostrando as injustiças ocorridas ao longo da história.

  6. Parabéns, Alana!!! Você soube tecer, com maestria e de forma obejetiva, uma síntese dessa obra que nos deixa saudades… Um retrato fiel de uma época marcada por tantas mudanças em nosso país e, por que não dizer, uma aula maravilhosa, ao vivo e em cores, do início do século passado…

  7. Parabéns, Alana!!! Você soube tecer com maestria e de forma obejetiva ouma síntese dessa obra que nos deixa saudades… Um retrato fiel de uma época marcada por tantas mudanças em nosso país e, por que não dizer, uma

  8. Muito bom o texto de Alana. Compartilho com ela as opiniões acerca da novela Lado a Lado. Há tempos não ficava ansiosa pra que a tarde chegasse ao fim e me refestelar no sofá pra ver a trama das 6 horas. Muito boa a novela. Fiquei realmente tocada pelo amor de Edgar e Laura, feito de verdade, de tensões, contradições e de lealdade. A delicadeza como a capoeira, os ritos sagrados do candomblé, o samba, a arte foram tratados foi um presente bom demais de saborear. Excelente novela. Parabéns pelo belo comentário Alana! Parabéns pelo blog, Leni!

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