E um, e dois, e três a zero!

 

Ana Carolina Peliz

Se você mora ou já morou na França depois de 1998, o título deve ter recuperado em sua memória amargos souvenirs. Este é o grito de guerra dos franceses em cada jogo de futebol da seleção francesa contra o Brasil e, claro, faz referência à final da Copa em que fomos arrasados e humilhados por eles, de goleada.

Lembrou? Pois imagine como é dolorido para os brasileiros que moram na França ouvir isso a cada vitória francesa contra nossa seleção. E o pior é que não foram poucas. O Brasil, que ganhou da França por 3 a 0 em um amistoso no último domingo, não ganhava dos bleus desde 1992. Isso fez com que eles perdessem completamente o respeito por nós.

Na Copa da Alemanha, em 2006, eu estava em um casamento na Alsácia no dia do jogo Brasil x França – como diria meu marido, que é francês, “quem pode se casar em um dia como este?” – e era a única brasileira da festa. Após nossa derrota, um convidado veio me consolar e disse, “o Brasil também é muito bom no futebol”. “Também?”, respondi eu, “meu senhor, nós somos o país do futebol”, e ouvi um, “sim, e nós ganhamos do país do futebol”.

Depois dessa, resolvi me calar. E foram derrotas atrás de derrotas. Viramos fregueses! Como explicar? Quando jogávamos com nações com maior tradição de futebol como Itália ou Argentina, eu sabia que tínhamos chances, mas contra a França, parecia um tipo de impedimento psicológico, ou pura e simples “urucubaca”.

Em fevereiro de 2011 fui assistir ao amistoso no Estádio de France, achando “agora vai, não tem mais Zidane”! Perdemos de novo! Os franceses já nem comemoravam. Diziam sem complexo que a França tinha jogado feio, que poderia ter ganho por mais.

Dia de jogo contra a França passou a ser dia de sofrimento. De se trancar em casa para não ouvir o famoso “et un, et deux et trois zéro”. Fazer o quê? Se resignar e voltar sempre, como bom freguês.

Por isso, no domingo passado, quando comecei a assistir o amistoso Brasil x França, achei que parecia um roteiro repetido de outras derrotas, sem muito interesse. Aí o Brasil fez o primeiro gol. Não confiei. Ainda era possível virar.

No segundo gol pensei: “só mais um, só mais um” e… gol! Aí, a frase que queria tanto ser pronunciada, saiu naturalmente: “et un, et deux, et trois zéro!”. Todos meus amigos brasileiros que moram na França encheram suas páginas das redes sociais com o grito de guerra que antes era francês.

Para o resto do mundo, pode ter sido apenas um amistoso. Mas para os brasileiros da França, foi uma esperada revanche.

 Fonte; Blog do Noblat – Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV.

 

A vida dos outros

 

Carolina Peliz

 

Uma senhora elegante decora uma pequena mesa com flores, onde pousa delicadamente pratos e taças. Uma mulher tenta conversar ao telefone enquanto três crianças inquietas correm pelo apartamento. Dois jovens fumam na janela, rindo alto, um deles segura uma taça de vinho tinto.

Um senhor sorri sozinho em frente à televisão, outro passeia nu. Uma adolescente com fones de ouvido, desenha sentada na cama. Um homem olha distraidamente os carros passarem pela rua enquanto segura uma xícara. Seria chá ou café a bebida que esfria na fria tarde parisiense?

Retratos da vida dos outros que quase todos os parisienses podem observar de suas janelas compõem o “vis à vis”, tão repudiado pelos agentes imobiliários.

A visão que se tem dos apartamentos alheios é uma das características mais fortes da vida em Paris, explorada em filmes como Paris, je t’aime, de vários diretores apaixonados pela cidade, O fabuloso destino de Amélie Poulin, de Jean Pierre Jeunet, e, mais recente, Dans la Maison, de François Ozon, ainda sem título em português.

O fenômeno existe em outras cidades, mas em Paris, ele é aumentado porque as ruas são muito estreitas e fazem que vidas tão diferentes se aproximem.

Fingimos diariamente não perceber o casal que se ama na janela em frente ou o pai que deixa a criança chorar desesperadamente enquanto fuma na varanda. Da mesma maneira, eles fingem não observar a vida que passa detrás de nossas janelas.

São seres invisíveis que se escondem atrás de cortinas transparentes e cuja presença quase não percebemos.

São como sombras. O vizinho invisível é uma companhia ausente.

Um simples olhar intrusivo ou um bom dia poderia quebrar a magia do “vis à vis”. Às vezes, na fila do supermercado ou na curva da esquina, nos deparamos com eles, e então é como se víssemos um personagem de um filme ou de uma canção se materializar diante de nossos olhos.

Por um instante pensamos “acho que já te vi”, “mas você não era mais alto ou mais magro?”, esboçamos um “bonjour” e logo lembramos que nunca fomos apresentados, apesar de nos conhecermos tão bem.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV.

Fonte: Blog do Noblat

Foto: Leni David

Foto: Leni David

O dia em que nevou em Paris

Ana Carolina Peliz

Eu já estava atrasada para um jantar na casa de uma amiga e ainda tinha que comprar um presente. Tinha decidido que aproveitaria a ocasião para comemorar seu aniversário que tinha sido há algumas semanas.

Decisão que acabou complicando bastante minha vida. Na saída da biblioteca, as pessoas se amontoavam nas portas enquanto olhavam para o céu e conversavam entusiasmadamente pelos telefones.

Sem ter muito tempo para satisfazer minha curiosidade, me lancei na noite fria e escura. Um pequeno floco branco pousou delicadamente sobre meu nariz. Imediatamente uma mistura de apreensão e euforia tomou conta de mim. Estava nevando.

De repente todo o ruído do mundo parou para deixar o manto branco se estender na noite parisiense. Os passos se fizeram mais lentos ao mesmo tempo que os sorrisos, contornados de lábios arroxeados, se iluminaram um a um.

A neve em Paris é como o primeiro raio de sol da primavera, tem o poder de deixar tudo mais leve e opera uma transformação na alma do parisiense, maltratada pelo inverno. Um instante mágico e fugaz. A contemplação se faz obrigatória.

Todos achávamos que quando acordássemos no dia seguinte ela já teria nos abandonado como costuma fazer. Mas quando acordamos, qual não foi nossa surpresa, ela tinha decidido passar o fim de semana em Paris.

 “A última vez que vi algo assim foi em 1992”, dizia uma senhora no metrô. Durante todo o fim de semana nevou e nós ficamos divididos entre a vontade de sair para ver a neve e o desconforto do frio.

Parecia que um caprichoso gigante confeiteiro tinha jogado açúcar no austero Petit Palais e nos anjos da ponte Alexandre III. Na Butte Montmartre esquiadores se divertiam descendo o declive em uma paisagem alpina.

Uma bruma se elevava do Sena, cercado por margens brancas e bonecos de neve que saudavam felizes os passageiros do bonde no Boulevard Brune.

Toda a cidade foi banhada por uma luz única, mesmo assim, nenhuma máquina fotográfica foi capaz de registrar de maneira fiel a beleza de Paris coberta pela neve.

Quando acordamos na segunda-feira, ainda sob o efeito do espetáculo do fim de semana, percebemos que ela tinha partido.

E nós, com os olhos mais do que nunca repletos com a beleza única desta cidade, observávamos os últimos flocos de neve se desfazerem lentamente na calçada nos perguntando quando ela voltaria a nos visitar.

Fonte: Blog do Noblat – Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV.

 Paris Neve

 

O Natal em Paris

 

 Ana Carolina Peliz

Em Paris, durante esta época do ano, a cidade se prepara para o Natal. Longe do fausto da Champs Elysées e das Galeries Lafayette os parisienses se preparam, à sua maneira, para as festas de fim de ano.

Cada vitrine de cada pequeno comércio é decorada: os brinquedos de madeira de uma loja na minha rua brincam dentro de um trenó de papai Noel que leva afobado presentes pelo céu.

Outro papai Noel, o do bar ao lado, dança balançando os quadris com um copo de cerveja na mão. Já na loja de sapatos, uma família de pinguins se reúne com ursos polares entre escarpins e botas.

Os supermercados já encheram suas prateleiras de chocolates e bolas douradas e pais e filhos já se renderam à tradição de comprar o pinheiro. De todas as lindas tradições natalinas francesas, esta é sem dúvida a minha preferida, afinal a árvore de Natal na França é de verdade.

Compro cada ano meu pinheiro, cheio de personalidade, pequeno e robusto ou magro e comprido. A decoração que fica guardada o ano inteiro na cave, é resgatada, as bolas pintadas à mão compradas em feiras de Natal e os cavalinhos de madeira alemães se misturam com as decorações feitas de casca de milho vindas do interior do Brasil.

Sempre observo os pais que levam seus filhos para escolher este pinheiro, imagem mesma do Natal, fugaz momento em que todas as estripulias são permitidas. Alguns dias depois das festas de fim de ano as ruas se enchem de pinheirinhos, abandonados depois da festa, exaustos por terem cumprido suas funções.

Para quem não sabe, a cidade de Sélestat, no nordeste da França, conserva a mais antiga menção da tradição do pinheiro de Natal, que data de 1521. Antes o pinheiro era decorado com maçãs, depois de uma grande escassez de alimentos, ele passou a ser ornado com bolas de vidro.

Se você for a Sélestat, ainda vai encontrar a primeira loja de bolas de Natal do mundo.

E enquanto preparam o Natal, esperando que a neve caia, esperando que papai Noel seja generoso, os franceses continuam em seu ritmo, frenético, sob as luzes e decorações.

Já a estrangeira que sou se sente novamente criança e se deixa levar pelo espírito de Natal parisiense.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV.

Fonte: Blog do Noblat

França, o país onde é gostoso morar

Ana Carolina Peliz

Do 15 ao 21 de outubro a França promove a 23a “Semaine du goût”, algo que em português seria “semana do sabor”. Durante estes dias são realizados ateliês de cozinha ministrados por chefes “estrelados”, cursos sobre as profissões da gastronomia para crianças, degustações de vinhos, visitas a produtores rurais e feiras. Além disso, vários restaurantes oferecem um cardápio especial.

Toda esta maravilhosa orgia gastronômica tem o objetivo de sensibilizar as pessoas, principalmente os mais jovens, para a diversidade de sabores e produtos e principalmente, garantir a transmissão do “savoir-faire” e o futuro da gastronomia francesa.

Eu aproveito a deixa para falar de um dos temas inevitáveis de uma crônica sobre Paris: a culinária.

Um dia alguém me disse – claro, era um francês – que é mais fácil se adaptar em países onde a comida é boa. Simples, mas verdadeiro.

Eu me adaptei tanto que agora vai ser até difícil me “desadaptar”. A França para mim se traduz em cheiro de baguete saindo do forno, croissants crocantes, queijo, queijo e mais queijo.

Antes de vir morar aqui eu não sabia o que era iogurte e não conhecia as declinações da cebola.

Injustamente considerada esnobe, a base da culinária francesa na verdade é simples: produtos de qualidade regados com muita manteiga. Apesar de serem muito exigentes, é muito bom cozinhar para os franceses. Eles não têm preconceitos (comem rã e carne de cavalo!), demonstram grande interesse pelo que você cozinha, reconhecem e agradecem o cozinheiro/a e em geral, gostam muito da comida brasileira.

Raros são os franceses que dão lições sobre como tomar vinho. Se aprendem a degustar a bebida, não é para impressionar a audiência, mas para sublimar o prato e aumentar o prazer gastronômico.

Aliás, prazer na culinária francesa é a palavra de ordem. Deve vir antes, durante e depois de comer.

Antes, na busca do produto ideal, que pode incluir uma caça a champignons na floresta ou uma longa e animada conversa com o açougueiro, e depois, porque na França deve-se passar horas à mesa degustando também a companhia.

As conversas costumam ser sobre comida. Neste país, todo mundo fala de comida quase o tempo todo. Homens de terno na pausa do trabalho, universitários no bandejão, trabalhadores na construção e adolescentes no metrô.

Tudo isso para dizer que, na França, o sabor na verdade está presente todos os dias. E eu, que sou “gourmet” e “gourmande”, aproveito até o último pedaço.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV.

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