E por falar em futebol…

 Eu poderia ter evitado

 Luís Pimentel

 Não sei como foi que me descobriram naquele fim de mundo, entocado entre os xiquexiques, tatus pebas e preás, escondido na cabana de um tio lá pelos arredores do Gavião.

Eu acabara de fazer um serviço difícil em Feira de Santana, dado cabo de um empresário que vivia cercado de seguranças, tudo polícia, e tirava uns dias para assentar a poeira e descansar os dedos. Pouco antes, fora um sujeito envolvido com a política, desafeto do prefeito, segundo disseram, “metido a comunista, inimigo da lei e da ordem”.

Mil novecentos e oitenta e dois foi um ano complicado.

O sujeito que me procurou e me descobriu durante o banho de tanque, no mesmo alagadiço onde na infância contraí ameba e esquistossomose, se apresentou como enviado de um grupo estrangeiro “com ramificações” no mundo todo.

– Italianos – arrotou, como se fosse o emissário do Papa.

Pensei em dizer “Grandes merdas!”, mas não disse nada. Aprendi, com a idade e a experiência, que quem diz tudo o que pensa às vezes não vive nem para desdizer, e que tem horas na vida que a sabedoria manda se fingir de doente só para ser visitado.

Olhei o céu – fazia um sol de lascar! –, recolhi o suor com os dedos e despejei quase nos pés do mensageiro:

– E é, rapaz?…

Arranquei um talo de capim e comecei a chupar a cepa, sugando o líquido docinho. Outra mania que tenho desde menino.

Vi pelo jeitão que o sujeito tinha de coçar o saco, cuspir no chão e pisar com a ponta dos pés nos espinhos, que melhor seria economizar nos desaforos.

Banquei o santinho:

– Italianos? Tudo boa gente, né?

Sequer disse o seu nome, mas me entregou um pedaço de papel com um endereço, dizendo que eu tinha quarenta e oito horas para me apresentar em Salvador.

– Roupas limpas, barba bem feita e documentos no bolso. São necessários para a emissão do passaporte.

– Passaporte?!

– O serviço é no estrangeiro, Zé do Dedo.

O filho de uma égua sabia o meu nome. Mau sinal.

Um amigo que tinha uma Kombi especializada em transporte de trabalhadores rurais me deu carona até a rodoviária de Feira, onde eu pegaria o ônibus da empresa Santana para Salvador. Tinha um radinho bem xumbrega, ao lado do volante, sintonizado numa emissora barulhenta de Riachão do Jacuípe. O locutor incentivava a turma a vender suas rocinhas e comprar casa na cidade, a usar sabonete, procurar emprego em banco, jogar na loteria, beber cerveja da Brahma.

A cada cinco ou dez minutos ele anunciava uma música que ninguém conseguia entender o título, sempre alertando tratar-se de “sucesso retumbante no Sul do País”. Cada uma pior do que a outra. Um cantor fazia tremer o para-brisa com voz fininha, gritando “Cuida beeeemmm de miiiimmmm”.

A cantora, de voz até bonita, gemia um negócio que pedia “Me faz pequeeeeena, asa moreeeeena…”.

Um grupo, que parecia os cantores de puteiros da minha juventude, ficava repetindo “Você não sabe mamaaaarrrrr, você não sabe mamaaaaaarrr”. Eu ri e comentei que era engraçado, fazer uma música para alguém que não sabia mamar, e o meu amigo me corrigiu:

– É não soube “me amar”, abestado!

– Se eu fosse bom de pontaria como sou de ouvido, já teria morrido de fome.

Rimos. Pulei da Kombi, tomando cuidado para não amassar a roupa nova, e fui comprar o bilhete para a capital.

Parei mais uma vez para contemplar o belíssimo painel de Lênio Braga na parede da rodoviária, tomei um café, um conhaque, mijei e comprei o jornal A Tarde, para me acompanhar nos cento e poucos quilômetros. O caderno de esportes, meu preferido, tinha uma grande matéria sobre os preparativos da Seleção Brasileira de Futebol, que dali a alguns dias estaria embarcando para a Espanha, onde disputaria mais uma Copa do Mundo.  A disputa anterior, na Argentina, tinha sido uma cagada só, com a seleção do Peru abrindo as pernas para o dono da casa e empurrando o Brasil no caminho de volta, antes da hora.

Mil novecentos e oitenta e dois foi um ano complicado. Mas mil novecentos e setenta e oito foi muito pior.

Lembrei-me do meu filho dizendo “Um dia quero assistir a uma Copa do Mundo, pai, me leva, pai, meu sonho é ver o Brasil ser campeão”.

A expectativa de jornalistas,  jogadores, treinador e torcedores era que dessa vez a coisa fosse bem diferente, pois os espanhóis são muchachos porretas e a Espanha não é nenhuma republiqueta. Sempre quis conhecer a Espanha, desde a infância, quando tive dois amigos chamados Pepe e Constantino, donos da padaria da rua onde eu morava e que sempre me davam um pãozinho doce ou bolachas no fim do dia, depois que eu ajudava o pessoal a descarregar o caminhão de lenha.

Comecei a imaginar que seria bacana se os homens do estrangeiro trocassem o local do serviço e me mandassem para lá, em vez de para a Itália.

Mas não foi assim.

Explicaram mais ou menos a empreitada, que entendi mais ou menos, porque o conterrâneo encarregado de transformar em baianês o linguajar daqueles homens parecia bastante avexado com a tarefa. Mas deu para ficar sabendo que eu iria a Roma, não teria tempo de pedir a benção ao Papa, de lá seguiria no dia seguinte para uma cidade chamada Turim – eu entendia “durim” e o intérprete também – e que, ali, seria recebido pelo cerimonial da máfia local.

Aí pulei da cadeira:

– Máfia?!

Não sei por que, mas desde menino essa palavra me provoca arrepios.

Disseram que eu podia relaxar, que máfia naqueles dias não tinha mais nada a ver com a máfia da minha infância. Usavam o título apenas para impor respeito.

– Que nem coronel aqui. Ainda existe coronel, na política ou nas fazendas? Não. Mas ainda se usa o título, para não perder a tradição.

– Tutti buona gente! – disse o carcamano, bigode amarelo de nicotina e uma flâmula do Vitória em cima da mesa de trabalho.

Não gostei. Sou Bahia. Mas primeiro a obrigação e depois a devoção. Peguei passagens e papelada, até o passaporte que, sabe-se lá como, ficou pronto em vinte minutos. Entregaram-me uma sacola cheia de dinheiro e me mandei para o Aeroporto Dois de Julho.

No caminho, o intermediário finalmente me falou qual o serviço:

– Coisa de cinema, Zé do Dedo! É um jogador de futebol de fama internacional. Tu vai virar destaque no mundo do crime, vai pros livros e enciclopédias. Tá rebocado!

– Que jogador é esse, homem?

– Vem a ser um tal de Paulo Rossi, pronuncia-se “Paolo”, que joga em Turim, no maior time de lá, o Juventus ou a Juventus,  cada um lá diz de um jeito. É só o que eu sei, Zé. Lá eles te explicam direito.

– E qual é a bronca contra esse jogador?

– Não faça muitas perguntas, cabra. A máfia não gosta de nego curioso.

Aparelho de ouvir enfiado nos ouvidos, eu comecei a acompanhar no avião um filme que me levou novamente de volta à infância, ao Cine Íris, quando minha irmã me carregou para ver Candelabro italiano.  Senti uma puta vontade de chorar, sei lá por que, e me lembrei de Rita Pavone cantando Mio cuore, tu stai soffrendo, cosa posso fare per ter?

Troço bonito. E tão fácil de entender o significado, que até eu entendia. Depois, ao redor do poste – à luz de todos os nossos sonhos –, traduzia para os amigos e fazia um sucesso medonho”.

O sujeito de terno, gravata e tira de pano grosso enrolado em volta do pescoço, que me recebeu no Aeroporto de Roma, me chamou de Giuseppe Dedon e falou em criminalità, o que me incomodou. Pedi que me levasse logo ao hotel, pois estava cansado feito um corno.

– Corno se cansa muito? – perguntou, e eu vi que o almofadinha falava a minha língua, estava só debochando de mim.

Dia seguinte, partimos de carro para Turim. Ele perguntou se eu sabia manejar arma com silencioso, e eu disse que entendia mais de revólveres do que eles de macarrão. Não sorriu. Também não fez cara feia. Recebi credenciais para assistir ao treino dos jogadores, bem posicionado em local de onde teria visão privilegiada do campo e de um caminho de fuga garantida.

Algumas vezes coloquei na mira perfeita a cabeça do atacante.

Repeti a visita mais duas ou três vezes, pedindo ao emissário da máfia que tivesse paciência.

– Você é que sabe a hora certa de apertar o gatilho – ele disse.

São finíssimos.

Uma hora lá ousei perguntar o que aconteceria se eu desistisse de fazer o serviço, movido por questões religiosas – afinal, estava tão perto do Vaticano – ou tomado de simpatia pela quase vítima.

– Essa possibilidade não existe. Do ponto a que você chegou, não tem volta.

Pois foi o que aconteceu: contrariando a todos os princípios do meu ofício, me tomei de simpatia pelo jogador, um cracaço a quem os mafiosos queriam ver pelas costas. Esqueci a tarefa e passei a comparecer aos treinos para aplaudir os seus dribles, deslocamentos em diagonal, chutes cheios de manha e efeito.

O jeito que encontrei foi deixar a Itália, fugido, no dia exato em que a imprensa local noticiava a viagem da  Azurra para a campanha na Copa do Mundo daquele ano. Paolo Rossi era um dos ídolos da equipe e da torcida. Atravessando fronteiras, cheguei à Espanha e, não perguntem como – aprendi com a máfia a guardar certos segredos –, no primeiro fim de semana de julho, eu estava na cidade de Barcelona, assistindo ao espetáculo que ficou conhecido com “A tragédia de Sarriá”, vendo exatamente o cidadão de nome Paolo Rossi acabar com o sonho do meu filho.

E pensar que eu poderia ter evitado.

Escrito especialmente para a antologia 82 – uma copa, 15 histórias, que reuniu contistas baianos.

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Um lindo conto de Luís Pimentel

 

Mania de outono

 Luís Pimentel

Outono era a moringa na mesa forrada de papel crepom. A caneca de alumínio deixava a água mais fresquinha, gosto de terra no fundo mais fundo, cheiro de chuva no gargalo. Vento encanado que podia constipar, menino remelento de nariz a escorrer pelos lábios. Peito apertado na cor doce e melancólica de um quase maio.

Essa mania de outono eu tenho desde muito cedo. Desde bem pequeno mesmo, lá na província, onde as pessoas nem davam muita bola para essa história de estação do ano. Tinha o verão, com aquele calor medonho dos tempos sem ar-condicionado nem ventilador, e o inverno que trazia frio de doer nos dedos e obrigar a dormir de pijama. Outono e primavera também existiam, mas a esses ninguém dava muita confiança.

Eu dava. Comecei a prestar atenção no outono no dia em que a professora Alda exibiu o livrão cheio de fotos coloridas, mostrando como a natureza reagia às boas e más influências climáticas, como se comportava diante de cada uma delas, se derretendo toda quando o outono anunciava a chegada triunfal. O papel do livro ficava mais  cheiroso nas páginas que mostravam árvores se descabelando, montanhas abrindo  os braços para os dentes do sol que banhava tudo de um amarelo meio laranja  avermelhado, sol que parecia vir de outro mundo e que jamais passara nem mesmo
de passagem pela minha cidade.

Peguei mania e comecei a colecionar folhas caídas na praça, sobre calçadas e muros da alameda que acompanhava o caminho da escola. E passei a observar, encantado, que aquelas folhas meio marrons amareladas disputavam em beleza com os frutos da última primavera, foram verdes sobre verdes no verão que acabou de acabar e estarão renascendo daqui a pouco, no inverno que o vento mais fino já anuncia. Fazia as contas e cálculos das transformações pelas quais deveria passar a minha vida até a  explosão do próximo outono.

Por que o declínio e a decadência?
De onde tiraram as explicações encontradas no verbete do primeiro dicionário  que me caiu às mãos? Até aquele dia, outono para mim era beleza e renascimento.  Coloquei as impressões no poeminha outonal que fez os colegas rirem bastante e  a professora condescender um “ele é sensível”. Também li para minha mãe, à  noite, enquanto ela lavava pratos. Depois do ponto final disse “vá dormir, você  está cansado”, e até hoje não sei se o comentário significou uma aprovação. Mas  a reação generalizada me mostrou que a compreensão do outono é para poucos.

Quantas vezes, ainda no meu pequeno mundo, me deitei à tardinha sobre a esteira de folhas das palmeiras, da cajazeira, dos umbuzeiros? Cabeça recostada no travesseiro improvisado de outono e os olhos na impenetrável luz dos fotógrafos e dos pintores, até o sol se cansar de mim e fugir para detrás das montanhas. Logo, logo vem o inverno e eu me fecho em copas, que nem as árvores, escondo os meus frutos.

Catei folhas na volta da escola, na ida para o trabalho, na vinda dos filhos, na despedida dos pais, sem precisar dar explicações para ninguém. Hoje não mais. Recolho apenas as que as máquinas de limpeza não enxergam, escondidas na grama da beira da piscina. Quando eles descuidam, recolho algumas no tonel de lixo. Só que pouco descuidam e os olhos de verão são fogo em brasa nos meus calcanhares.

Declínio e decadência. O segurança chuta para longe a belíssima folha da mangueira que veio caindo, caindo e se aproximando de mim. A bota do animal quase esmaga os meus dedos, enquanto se aproxima o enfermeiro vestido de inverno, sem uma gota de luz no semblante, bordando um sorriso de falsa primavera, o mundo girando, girando e me devolvendo o outono que ele traz na pontinha da agulha.

O homem bom e o vestido de flores

  

Um conto de Luís Pimentel

– Primeiro mesmo, de fazer as coisas para valer, foi o Toni. Eu até tive alguns namoradinhos antes dele,  sim. Coisa de criança, sem compromisso e sem deixar marcas profundas. Foi mais ou menos nessa época que o estraga-prazeres do meu primo se infiltrou em minha vida. Chamava-se Lourival e não serviu para nada. Pequeno e inseguro, porém pretensioso. Só falava em dinheiro, futebol e corridas de cavalo. Curto que só vendo. Uma besta.

“Ela jamais saberá, mas eu gostaria muito de conhecer o primo Lourival. Gosto de pessoas assim, que não servem para nada. Também gosto de pessoas que só falam em dinheiro, sobretudo quando não têm dinheiro nenhum. E gosto, sobretudo, dessas pessoas que as outras consideram verdadeiras bestas.”

– Coitado do Lourival.

– Coitado nada.

– Tá certa. Não chega aos pés do Toni.

– Também não posso dizer que o Toni tenha representado grande coisa. Não me deu nada, mas pelo menos tirou o que tinha se prontificado a tirar.

– Alguém tem que fazer o trabalho sujo.

– Eu já tinha quase dezoito anos. Passava da hora.

– Parabéns, Toni.

     “Eu tinha quase dezoito anos quando fui para a cama com uma mulher. Uma prostituta, como não poderia deixar de ser. Criado em roça, meio do mato, a iniciação se deu mesmo foi com cabras, porcas, novilhas, éguas, cadelas e companhia. Só mais tarde, na cidade, conheci fêmeas de duas pernas, dois braços e dois peitos. Não conseguia me entender com namoradas, sempre difíceis e certinhas. Tinha que ser mesmo com mulheres de vida torta e nenhuma complicação existencial. Dizia apenas conta aí a bela história e não se preocupa comigo, baby. Elas obedeciam, sem remorsos.”

– Aí veio o Jonas.

– Grande Jonas.

– O grande amor de minha vida. Dessa história você vai gostar.

“Gosto das histórias delas. De todas as histórias de todas elas. Quanto mais absurdas, mais eu gosto. Às vezes me dão vontade de rir, mas em geral me dão muito prazer.”

– Como era o Jonas?

– Forte, inteligente, extremamente sensual e educado. Gostava de fazer amor na sala, no velho sofá, enquanto mamãe ouvia rádio e passava roupas na cozinha. Dizia que o excitava, tinha cada idéia de maluco. A qualquer movimento suspeito na cozinha acelerava o ritmo. E como eu gostava.

– Também estou gostando.

– Me mordia toda. Jonas tinha coxas grossas e braços firmes. Mexia com contrabando e um dia evaporou, sumiu do mapa, desapareceu no mundo.

“Lurdes. Era esse o nome dela. Tinha peitos caídos e um sorriso horroroso, forrado de dentes de ouro. Exagerava na pintura e parecia mais uma caricatura malfeita. Cobrava menos do que as outras e tinha histórias interessantíssimas, além de não me considerar um alucinado. Foi compreensiva quando eu disse que gostaria de fazer amor ouvindo histórias malucas. Aceitou de pronto, sem cobrar um tostão a mais. Tentamos muitas vezes até eu ter certeza de que gostaria de fazer sozinho, ouvindo mentiras cabeludas.”

– Fale mais.

– Do sumiço do Jonas?

– Da cama, do sofá, mordendo você todinha.

– Você não presta.

 “Eu não presto, nem te amo, não sei nem quero saber o teu nome. Não quero saber dos teus problemas, só das tuas mentiras.”

– Repete tudo. O que ele fazia com você no velho sofá, enquanto a mamãe passava roupas?

– Me beijava dos pés à cabeça. Fazia tudo o que queria comigo.

– Grande Jonas. Fazia tudo, tudinho?

– As coisas que me envergonhavam fazíamos de luz apagada. Chega, não gosto nem de lembrar.

– Esquece.

– Aí conheci o Rodolfo.

– Também contrabandista?

– Não. Motorista de ônibus.

– Rodolfo é um bonito nome.

– De artista. A mãe era apaixonada por um tal de Rodolfo Valentino, do cinema. Só que não se parecia nada com o outro. O meu Rodolfo era magro, desdentado e tossia até não se agüentar, principalmente naquela hora.

– Que horror.

– Fica quietinho, senão desconcentra.

 “A vida é assim, feita de pequenas crueldades.”

– Gostava dele?

– Não. Usava como remédio barato, só para tentar esquecer o Jonas. Ia para a cama com ele pensando no Jonas, enquanto ouvia coisas. Sempre desatenta.

– Que coisas?

– Coisas, ora. Coisas que se dizem na cama.

 “A vida também é feita de pequenas coisas. Coisas sem sentido, coisas importantes, coisas e coisas. Coisas que se dizem na cama, que se cochicham em enterros, outras que só em comemorações de aniversários. Coisas que só se dizem aos grandes amigos e coisas que não se diz nem aos piores inimigos.”

– E você, o que dizia para ele?

– Coisas também. Bobagens. E cravava as unhas nas costas cheias de espinhas do pobre. Acabou?

– Não. Mas não demora.

– Então vou falar do Júlio.

– O que tinha o Júlio?

– Um olho cego e uma mancha enorme do lado direito  do peito.

– Também gostava no sofá?

– Não. De pé, encostado na parede. Ele era muito alto e eu tinha que ficar na ponta dos pés. Mas era bom.

– Sei.

– Era muito bom.

 “Não duvido. Todos eles são muito bons para elas e também para mim. Também não tenho queixas das mulheres com as quais sonhei. Todas são boas e não têm culpa de nada.”

– Viu onde coloquei minhas chaves?

– Em cima da mesinha de cabeceira. Nem falei do Alfredo, o que era da polícia.

– Da próxima vez começaremos por ele.

– Você promete?

– Claro. Temos que começar por alguém.

– Jura que gostou?

– Eu gosto sempre. Tome.

– Pode deixar aí.

– Está em cima da cômoda. Tem um pouco mais, para o vestido de flores.

– Não acredito. Enfim, o vestido de flores. Que homem bom, meu Deus.

“Olho para ela e penso: ainda existem pessoas boas neste mundo.”