O poeta conta um conto

 

GATO ROMEU

 

Antônio Brasileiro

 

Acastos Romeu ia fazer 60 anos. Não parecia. Parecia ter 40. Talvez pelo tipo de paixão que o dominava: as bolas de gude.

Acastos era carteiro, vivia com a mãe. Sua mania pelas bolas de gude vinha da infância – e, pelo visto, durava mais de 50 anos. Acastos para uns, Romeu para outros, Gato Romeu era como os meninos de cinco gerações o conheciam.  Diariamente, às cinco em ponto, lá estava ele, na praça, gudes no bolso. Aquilo lá era quase uma instituição: de pai para filho, conhecia-se o cantinho da praça: lá está o Gato, dizia-se. Romeu, sozinha, era uma palavra que indicava extrema habilidade, às vezes mesmo pintalgada de sagacidade, “sabedoria” – roubo enfim. Mas este sentido não se aplicava a Gato Romeu, que era decente, mesmo porque que só brincava, não apostava. O seu “romeu” é porque soava a voz de gato, só.

Então a mãe de Gato Romeu morreu. A velhinha ia fazer 90 anos, forte e saudável; mas começara de repente a espirrar – era missa de Santo Antônio – e no dia 13 mesmo morreu. Acastos herdou a casa e um pedaço de dinheiro vivo da poupança da velha. Não era muita coisa, claro, mas o suficiente para que duas mulheres se declarassem subitamente apaixonadas pelo carteiro.

E agora, Gato? – perguntavam-lhe os amigos de sua idade. – Glória te capa.

Glória, esclareçamos, era a puta mais simpática da zona. Cliente Acastos há muitos anos, ela era praticamente uma irmã, tal o cuidado como o tratava. – E agora, Gato? Mas as mulheres sérias de Arrozais conheciam Glória: “E Glória é boba?”, diziam.

As duas mulheres estavam mesmo empenhadas em se casar com o bom homem, agora gozosa notícia na cidadezinha de Arrozais. Que vai ser de nossos filhos? – clamavam os ex-meninos jogadores de gude, agora pais, e um ou dois avós. – E o cantinho da praça? Gato Romeu casado?

Torciam a boca.

Glória, claro, não era boba. As mulheres se estapearam e tudo acabou em gracejos da população. Aos domingos, Gato Romeu se vestia a rigor para jogar gude. Com gravata e tudo.

                                                                        29/05/2007

 

 

 

Duas histórias de meninos – Luís Pimentel

 

  

Boniteza

 

A menina ficou olhando a mãe, enquanto ela espremia laranja, cortava o mamão, colocava a fatia de pão na torradeira e despejava pó de café no coador.

A mãe andava de um lado para o outro, entre a copa e a cozinha, a mesa e o fogão. A menina acompanhava com os olhos cada passo da mãe. A mãe percebeu e perguntou por que você me olha tanto, minha filha? Está me achando bonita?

A menina respondeu que sim e quis saber:

– Será que um dia vou ser tão bonita quanto você?

– Você já é bonita, meu amor. Você é linda – disse a mãe, dando um beijo na testa da menina e levantando com os dedos os fios de sua franja.

A menina bebeu suco, comeu mamão, tomou café com pão, colocou a mochila da escola nas costas e, antes de sair, parou diante da porta:

– Sou bonita mesmo?

– A mais bonita que eu conheço.

– Que bom. Vou dizer isto ao Serginho, um menino bobo que está me esnobando.

  

Alecrim

 O menino seguia com o cachorro, conduzindo-o por uma coleirinha improvisada de corda, e o homem que estava parado na esquina quis saber:

De quem é esse cachorro?

– É meu – respondeu o menino.

– Como é o nome dele?

– Alecrim.

– Isso não é nome de cachorro.

– Não?

– Não. Nome de cachorro é Rex, Guerreiro, Tupy… Alecrim é nome de tempero.

– Lá é casa é nome de cachorro…

– Está bem. Que idade tem ele?

– É novo. Tem a minha idade.

– Sei. Você empresta para eu dar umas voltas?

– Não.

– Eu sempre  quis passear com um cachorro. Eu te empresto a minha bicicleta.

– De jeito nenhum.

– Tem medo de eu não devolver? Se eu sumir com ele, você fica com a bicicleta. É bem mais nova do que o Alecrim.

– Pode até ser. Mas ela não lambe o meu pé.

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