Mini-contos de Luís Pimentel

 

Partidas

Um dia ele foi. Seria só para melhorar de vida, voltaria para buscá-la. Ela ficou contando as noites, depois as rugas, as varizes, a espera infinita. Um dia, a carta: “Não volto mais, nunca mais, para esse fim de mundo”.

Lágrimas pingando no café, ela rabiscou no papel de pão: “Nem eu”. E morreu pouco depois de colocar a resposta nos Correios.

 

Sagrado Coração

Da parede, espetado no prego, o Sagrado Coração de Jesus assistia a tudo: as mãos escorriam do joelho pelas coxas, dedos de unhas sujas invadindo pelas beiradas da calcinha. – Estou conferindo o dever de casa da menina, meu bem.

Não doía tanto a mãe se fazer de sonsa, mas o comentário: “O seu padrasto é um pai para você”.

 O Sagrado Coração vermelho de raiva.

Questão de escolha

 

Companhia

Luís Pimentel

 

Conheceram-se num cabaré da Praça Mauá.

Kátia Cilene fora desonrada à força pelo patrão, expulsa de casa pelo padrasto. Aquela história. Baiano, por sua vez, não tinha história nenhuma. Perdia os dentes e a esperança em canteiros de obras, os poucos sorrisos reservados ao futebol, nas tardes de domingo.

A paixão foi imediata. Pensou que deveria retirá-la daquela vida sem rumo. A outra aceitou a generosa companhia. Até descobrir que Baiano – sequer a curiosidade de perguntar o nome dele – morava num quartinho minúsculo, em Brás de Pina.

Kátia se desculpou com o companheiro, deixa como está, e retornou à Praça Mauá.

Morar tão longe do Centro, sabe como é.

 

Luís Pimentel é poeta, escritor e colabora com o Baú da Princesa. Para ler mais e conhecer melhor o seu trabalho, clique aqui.