Viva São João!

 

Téta Barbosa

São João era primo de Jesus, mas poderia muito bem ser meu primo, ou primo da vizinha, tamanha é a intimidade do nordestino com o santo do batismo.

E neste mês de junho, comemoramos, entre bandeirolas e fogueiras, a santa trilogia, que neste caso nada tem a ver com o Pai, o Filho e o Espírito Santo, pois se trata de Santo Antônio, São Pedro e São João, o santo que dá o nome à festa, provavelmente um nepotismo celeste, afinal o cara era primo de Jesus.

É verdade que em marketing pessoal, Santo Antônio não fica atrás de João Baptista, porque é o santo casamenteiro e, nos dias de hoje, ele faz mais sucesso do que o filho de Isabel. Já São Pedro, coitado, mesmo tendo a chave do céu, não causa muita comoção quando o assunto é festa junina.

O fato é que, desde a época que o filho de Deus andou pelas bandas da Palestina até os dias de hoje, muito se perdeu do sentimento religioso da festa. Entre o milho assado e a banda do momento que toca no palco principal do evento (sim, agora é um evento e não mais uma festa popular) pouco se sabe ou se fala dos apóstolos e profetas que seguiram Jesus antes de Ele partir desta para melhor.

Pior ainda é que muito se perdeu do espírito popular da comemoração junina. Em Caruaru, por exemplo, o maior São João do Mundo, seguindo a tradição megalomaníaca de Pernambuco, a programação passa por Chiclete com Banana, Calypso e, pasmem, Michel Teló. Posso imaginar Jesus, no reino celeste, dizendo ao primo “ai se eu te pego, São João”.

A decoração já não traz mais tantos balões coloridos porque os espaços foram tomados por banners publicitários. São tantos anunciantes e marcas que é difícil enxergar a luz, ou melhor, a fogueira no fim do túnel.

Para ouvir um autêntico forró pé de serra e sentir o cheirinho da canjica saída do forno, só mesmo fugindo para cidades menores onde o caráter popular ainda resiste ao apelo comercial. Estamos falando de Arcoverde, Serra Talhada,Triunfo, Sairé, Salgueiro, Pesqueira entre outras.

Mas não tem drama, é só sair do circuito main stream para lembrar da voz de Luiz Gonzaga, ver fogueiras nas frentes das casas (tem gente que mora em casas, sabia?), ver as sandálias de couro arrastando seus pés pelos salões, comer pamonha, e acender os fogos.

Porque para celebrar o nascimento de um primo ou de um amigo íntimo da família, não é preciso esperar a programação oficial da cidade, basta acender a vela, cantar o parabéns e gritar: Viva São João!

*Téta Barbosa é jornalista, pernambucana, e escreve para o blog do Noblat.

 

O Caminho de volta

Téta Barbosa

Já estou voltando. Só tenho 37 anos e já estou fazendo o caminho de volta.

Até o ano passado eu ainda estava indo. Indo morar no apartamento mais alto do prédio mais alto do bairro mais nobre. Indo comprar o carro do ano, a bolsa de marca, a roupa da moda. Claro que para isso, durante o caminho de ida, eu fazia hora extra, fazia serão, fazia dos fins de semana eternas segundas-feiras.

Até que um dia, meu filho quase chamou a babá de mãe!

Mas, com quase 40 eu estava chegando lá.

Onde mesmo?

No que ninguém conseguiu responder, eu imaginei que quando chegasse lá ia ter uma placa com a palavra FIM. Antes dela, avistei a placa de RETORNO e nela mesmo dei meia volta.

Comprei uma casa no campo (maneira chique de falar, mas ela é no meio do mato mesmo.) É longe que só a gota serena. Longe do prédio mais alto, do bairro mais chique, do carro mais novo, da hora extra, da babá quase mãe.

Agora tenho menos dinheiro e mais filho. Menos marca e mais tempo.

E num é que meus pais (que quando eu morava no bairro nobre me visitaram 4 vezes em quatro anos) agora vêm pra cá todo fim de semana? E meu filho anda de bicicleta e eu rego as plantas e meu marido descobriu que gosta de cozinhar (principalmente quando os ingredientes vêm da horta que ele mesmo plantou).

Por aqui, quando chove a internet não chega. Fico torcendo que chova, porque é quando meu filho, espontaneamente (por falta do que fazer mesmo) abre um livro e, pasmem, lê. E no que alguém diz “a internet voltou!” já é tarde demais porque o livro já está melhor que o Facebook, o Twitter e o Orkut juntos.

Aqui se chama ALDEIA e tal qual uma aldeia indígena, vira e mexe eu faço a dança da chuva, o chá com a planta, a rede de cama.

No São João, assamos milho na fogueira. Nos domingos converso com os vizinhos. Nas segundas vou trabalhar contando as horas para voltar.

Aí eu lembro da placa RETORNO e acho que nela deveria ter um subtítulo que diz assim: RETORNO – ÚLTIMA CHANCE DE VOCÊ SALVAR SUA VIDA!

Você provavelmente ainda está indo. Não é culpa sua. É culpa do comercial que disse: “compre um e leve dois”.

Nós, da banda de cá, esperamos sua visita. Porque sim, mais dia menos dia, você também vai querer fazer o caminho de volta.

 

Publicado originalmente no Blog do Noblat em 27/06/2011.

Téta Barbosa é jornalista, publicitária e mora em Recife.