Tempo de Natal

 

Tonde  lilás

Leni  David

 Era dezembro e o dia estava frio e cinzento; saiu do trabalho no final da tarde e pegou o metrô. O movimento era intenso. Algumas pessoas sorridentes, outras afobadas, quase todas carregavam sacolas onde se viam pacotes coloridos e decorados. Sentia-se cansada, mas não conseguira um lugar para sentar-se. Desceu na estação Palais Royal onde um músico tocava harpa. Andou durante algum tempo escutando a melodia e acompanhando o compasso do ritmo.

Sentiu frio. Ajeitou a bolsa à tiracolo, calçou as luvas e enfiou as mãos nos bolsos do casaco. Tomou a direção da rua de Rivoli onde as vitrines faiscavam exibindo brilhos e cores. Havia vitrines verdes, vermelhas, amarelas, azuis, como se os comerciantes houvessem decidido espalhar cores mágicas pelas ruas para magnetizar os passantes. Decoradas e iluminadas com esmero, as vitrines tinham uma aparência fantástica.

De vez em quando, seduzida como uma borboleta que gira em torno da chama incandescente, parava para apreciá-las. Era época de Natal e talvez comprasse alguma coisa interessante para presentear os familiares, mas não se sentia motivada a entrar nas lojas abarrotadas de pessoas que escolhiam objetos, jóias, e que rodopiavam frente aos espelhos. Olhando-as de longe pareciam crianças travessas, felizes com as traquinagens.

A rua de Rivoli era longa e a noite já se anunciava. Exposta ao frio sentia os pés e as mãos enregelados, apesar dos agasalhos; as faces e a boca dormentes e os olhos lacrimejantes. Diante de uma vitrine viu refletida a imagem de uma mulher, vestida com um casaco preto e longo. Ela usava uma cachecol colorido em volta do pescoço; tinha um aspecto elegante, mas parecia triste. Assustou-se quando percebeu que a imagem que via refletida no vidro era a sua. Sentiu vergonha e fugiu dali apressada, na direção do ponto de ônibus que a levaria para casa.

Enquanto andava convencia-se de mil razões para estar feliz; não havia motivo para tristeza. Estava vivendo um momento especial; a iluminação feérica deixava a cidade fascinante. Era Natal e ela podia comprar todos os presentes que quisesse. Nada lhe faltava! Sua casa estava decorada, a festa organizada e até havia na sala um lindo pinheiro natural, perfumado, ornado de bolas prateadas e azuis. Sabia que ganharia os presentes que havia escolhido. Além disso, estava em Paris – nome que soa como sinônimo de paraiso – e sabia que muitas pessoas dariam tudo para viver um momento como aquele. Bobagem! Estava apenas um pouco cansada…

Ainda pensando no privilégio de estar ali e convencida de que estava tudo bem, chegou à esquina da praça do Hôtel de Ville. Ficou petrificada no meio da calçada, quase sem fôlego, os olhos arregalados. Não acreditava no que via, pois jamais vira algo tão espetacular. A praça estava lilás! Vários tons de lilás misturados e difusos davam um aspecto inusitado ao local. O imenso prédio da prefeitura, ao fundo, parecia dourado à luz dos refletores. Os jatos d’água da fonte luminosa projetados no espaço refletiam as cores do arco íris e acompanhavam a melodia de uma música de Bach. Era um cenário de sonho.

Sentou-se num banco da praça como se estivesse hipnotizada pelas nuanças do lilás e pela dança das águas coloridas. Quanto tempo ficara absorta contemplando aquele espetáculo? Não sabia. Entrou no ônibus como um autômato e enquanto ele deslizava pelas ruas iluminadas chorou baixinho e admitiu que sofria. Sentia uma tristeza profunda que se insinuava no ânimo e no coração. Portanto, tudo era belo e ela gostava de estar ali. A  cidade não tinha culpa da sua agonia, ninguém tinha culpa. Compreendeu, porém, que era  impossível estar feliz, mesmo se o cenário era  de sonho e encantamento, pois sua presença não estava incorporada àquele espaço; faltava-lhe um pedaço. Ele se encontrava muito longe dali, bem longe, onde o sol esparramava raios dourados para iluminar o verão.

Paris, dezembro 1997