A Baiana do acarajé : imagens do real e do ideal
(Parte I)
Maria Lenilda David
“As crioulas da Bahia
Todas têm um certo quê…
Temperam a vida da gente
Como a moqueca de dendê”
(Quadrinha popular de domínio público)
Poetas, músicos e compositores brasileiros e originários de outros rincões dedicaram versos e canções à Bahia e aos seus personagens típicos, entre eles, “baianas”, capoeiristas e ialorixás. Além de “mãe do Brasil”, expressão mais corrente, a Bahia é identificada como a Boa Terra, Terra de Todos os Santos, Roma Negra e a Terra da Felicidade entre as designações mais freqüentes. A essas denominações são associadas imagens visuais inconfundíveis, como o casario colonial barroco do Pelourinho, a figura esbelta do tradicional elevador Lacerda e a imponência da “colina sagrada”, abrigando a majestosa Igreja do Bonfim. A imagem da “baiana”, no entanto, é aquela que está vinculada diretamente à imagem da Bahia como um todo e de Salvador em particular. Pode-se afirmar que a “baiana” é o símbolo baiano por excelência, imortalizada em telas, esculturas, fotografias, versos e canções[1].
Esse fenômeno merece, ao meu ver, ser discutido e analisado pois as imagens da cidade, e da “baiana”, uma trabalhadora urbana tradicional, alvo de homenagens e de versos arrebatados, oscilam entre a descrição idealizada e o pitoresco, encobrindo, na maioria das vezes, aspectos evidentes da realidade. A “baiana”, no entanto, será a personagem principal deste trabalho, por estar vinculada naturalmente ao espaço geográfico do estado e à paisagem da cidade e por representar traços fortes da vida baiana, como a mestiçagem, a religiosidade e as tradições culturais, além de representar, também, a sensualidade atribuída à Bahia (e a ela própria), a terra do prazer e “de todos os pecados”, sensualidade evocada com freqüência através da dança, dos cheiros, e mesmo da comida que são caracterizadas como “quentes” e apimentadas. A “baiana” personagem-cúmplice da cidade, mestra na arte do feitiço e dos quitutes picantes que elabora e executa “sem parar de mexer”…
Meu objetivo é, por conseguinte, confrontar a “baiana ideal” alvo de galanterias e homenagens diversas, à “baiana real”, a trabalhadora urbana, no espaço geográfico da cidade do Salvador da Bahia de Todos os Santos, onde imagina-se que o deleite do prazer tropical sobrepõe-se à uma realidade marcada pelo trabalho e pela rotina.
Em contrapartida, a argumentação será exposta ao longo do texto, por acreditar que a compreensão será mais proveitosa, facilitando também a tarefa de situar a personagem focalizada no tempo e no espaço.
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Artigo publicado:
DAVID Maria Lenilda Carneiro S. A Baiana do acarajé : imagens do real e do ideal, Revista da Biblioteca Mário de Andrade, v. 57, São Paulo, jan./dez., 1999, p. 147-155.
[1] – Numa pesquisa que realizei entre 1994 e 1997, repertoriei cerca de novecentas canções com temas ligados à Bahia, entre as quais, cerca de trezentas dedicadas à “baiana”.
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Minha mais justa homenagem as verdadeiras musas da Bahia.
http://www.youtube.com/watch?v=cI1lDDXfs2Y
olá Leni,
Gostei muito de seu artigo. É uma reflexão que sempre me acompanha quando fotografo as baianas de Salvador. Vi que você utilizou algumas de minhas fotos para ilustrar o artigo, mas não encontrei citação à autoria das fotos …. 🙂
Parabéns pelo trabalho…
Nuito bom o seu artigo sobre as baianas. Li todo e gostei demais. Um beijo!
Peço desculpas pelo vacilo e peço encarecidamente que identifique as fotos. Terei o maior prazer em colocar os créditos. Na realidade, quando ilustrei o artigo no blog (publiquei pela primeira vez em um antigo blog da Editora Abril, que saiu do ar) tinha várias fotos e devo ter me confundido. Somente no ano passado publiquei aqui. Agradeço a observação e peço desculpas mais uma vez!