Centenário de Carybé

 

A leitura do romance Jubiabá, em 1938, um dos romances de Jorge Amado, trouxe à Bahia o argentino Hector Julio Paride Bernabó, mais conhecido como Carybé. O artista plástico, escultor, gravador e diretor de arte, fixou residência na Bahia e naturalizou-se brasileiro em 1957, época em que recebeu o título de Cidadão baiano.

 

Sobre a Bahia Carybé escreveu:

« A Bahia não é uma cidade de contrastes. Não é não. Quem pensa assim está enganado… Tudo aqui se interpenetra, se funde, se disfarça e volta à tona sob os aspectos mais diversos, sendo duas ou mais coisas ao mesmo tempo, tendo outro significado, outra roupa, até outra cara… Tudo misturado: gente, coisas, costumes, pensares. Vindos de longe ou sendo daqui, tudo misturado… Além da terra onde um dia descansaremos, há duas coisas : o preto e o branco. Havia. A loura de biquíni tem uma estrutura de ombros formidável, genuinamente sudanesa. A vendedora de mingau, escura como a noite, tem um holandês nos olhos. Tudo misturado! »

(In, CARYBÉ -. Livraria Martins Editora, São Paulo, 1962, p. 23).

 

Concordo plenamente com Carybé, quando ele diz que a velha Salvador é a cidade das misturas; mistura de velho e novo, de pitoresco e inusitado. Mistura de gente, cores, sol, mar, cheiros e sabores. Uma cidade singular e plural, com suas qualidades e defeitos.

 

Em 2009, uma exposição sobre a obra do artista ficou aberta ao público entre os meses de abril e maio. Carybé – 70 anos de Bahia, organizada pelo Instituto Carybé reuniu 200 obras que retratam a diversidade de temas e técnicas utilizadas pelo artista. Trata-se de pinturas, painéis, gravuras, esculturas, murais, ilustrações de livros, objetos pessoais, além dos figurinos criados por ele para cinema, teatro e balé.

Os responsáveis pelo evento também organizaram um passeio cultural denominado Rota Carybé, visando mostrar dezenove pontos de Salvador onde existem trabalhos do artista, entre eles, o painel do aeroporto, os gradis do Campo Grande e do Solar do Unhão, a estátua da mulher com uma criança, .que se encontra na entrada do Shopping Iguatemi, os painéis do teatro Castro Alves, entre outros.

Além da exposição, Caribé foi alvo de homenagem dos Correios e Telégrafos que lançaram um selo comemorativo; também está prevista pelos responsáveis do Instituto Carybé, a restauração da sua antiga residência localizada no bairro da Boa Vista de Brotas, que deverá tornar-se Memorial e centro cultural.

Em maio de 2009 também foi lançado um livro onde está registrada a arte de dois estrangeiros ilustres, baianos de coração e por afinidade; trata-se de  “Carybé & Verger – Gente da Bahia”, , idealizado por Enéas Guerra, que também foi colaborador de Pierre Verger e com textos de José de Jesus Barreto.É o primeiro livro da trilogia Entre Amigos. Ele marcou a comemoração dos 20 anos da Fundação Pierre Verger.

Em dezembro desse mesmo ano foi lançado em Salvador, Caybé, Verger&Caymmi: Mar da Bahia, o segundo livro da trilogia, que tem como objetivo celebrar a arte e a grande amizade entre esses personagens que escolheram a “Boa Terra” e o jeito de viver de sua gente, como motivo e cenário para suas obras.

 * Hector Júlio Páride Bernabó, conhecido como Carybé, nascido no subúrbio de Lánus, em Buenos Aires, em 1911, de pai italiano e mãe brasileira; veio à Bahia pela primeira vez em 1938, estabelecendo-se definitivamente à partir de 1942. Caribé faleceu em 1° de outubro de 1997 aos 86 anos de idade. Durante a sua vida foi jornalista, ilustrador,  desenhista, pintor e escultor, deixando uma série de trabalhos que retratam aspectos culturais da Bahia.

Homenagem a Irma Caribé

 

RUPTURA 

                        Irma Caribé

…e rasgando a ventania

(leveza e fúria)

nada mais é preciso mulher

que arriar as velas

ocupar a gávea

soltar os cabelos

suspirar profundo

olhar ao longe

nada dizer…

permitir apenas

que seus olhos digam…

(Um solto no outro, p. 70)

Írma Rosa de Lima Caribé Amorim – Nasceu em Feira de Santana. Odontóloga e educadora, Irma também era poeta; ela dirigiu o Centro de Cultura Amélio Amorim, foi  vice-presidente da Academia de Letras e Artes de Feira de Santana e membro da Academia de Cultura da Bahia. Publicou Um solto no outro (2003), em parceria com os poetas Cardan Dantas e Paulo Pedro Pepeu. Em 2005 publicou Noite Clara e em 2006, Avenida Senhor dos Passos. Tem poemas publicados nas revistas Hera e Arquitextos. Irma Rosa viveu o dia-a-dia da cultura baiana.

Os poetas não morrem, viram estrelas!

Ferreira Gullar faz 80 anos

 

            Traduzir-se 

                    Uma parte de mim
                    é todo mundo:
                    outra parte é ninguém:
                    fundo sem fundo. 

                    Uma parte de mim
                    é multidão:
                    outra parte estranheza
                    e solidão. 

                    Uma parte de mim
                    pesa, pondera:
                    outra parte
                    delira. 

                    Uma parte de mim
                    almoça e janta:
                    outra parte
                    se espanta. 

                    Uma parte de mim
                    é permanente:
                    outra parte
                    se sabe de repente. 

                    Uma parte de mim
                    é só vertigem:
                    outra parte,
                    linguagem. 

                    Traduzir uma parte
                    na outra parte
                    – que é uma questão
                       de vida ou morte –
                       será  arte?                                                                 

 

Poema obsceno 

Façam a festa
          cantem e dancem
que eu faço o poema duro
                                  o poema-murro
                                  sujo
                                  como a miséria brasileira 

       Não se detenham:
       façam a festa
                             Bethânia Martinho
                             Clementina
       Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
       gente de Vila Isabel e Madureira
                                                           todos
                                                           façam
                     a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
                            este surdo
                                  poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
                      Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
                      o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
                      – e espreitam.

                        In Na vertigem do dia (1975 – 1980)

 

Subversiva 

A poesia
quando chega
                       não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
                               Quando ela chega
de qualquer de seus abismos
desconhece o Estado e a Sociedade Civil
infringe o Código de Águas
                                             relincha
como puta          
          nova
          em frente ao Palácio da Alvorada. 

E só depois
reconsidera: beija
                     nos olhos os que ganham mal
                     embala no colo
                     os que têm sede de felicidade
                     e de justiça 

E promete incendiar o país

                              In Na vertigem do dia (1975-1980)

 

Poema obsceno

Façam a festa
          cantem e dancem
que eu faço o poema duro
                                  o poema-murro
                                  sujo
                                  como a miséria brasileira 

       Não se detenham:
       façam a festa
                             Bethânia Martinho
                             Clementina
       Estação Primeira de Mangueira Salgueiro
       gente de Vila Isabel e Madureira
                                                           todos
                                                           façam
                     a nossa festa
enquanto eu soco este pilão
                            este surdo
                                  poema
que não toca no rádio
que o povo não cantará
(mas que nasce dele)
Não se prestará a análises estruturalistas
Não entrará nas antologias oficiais
                      Obsceno
como o salário de um trabalhador aposentado
                      o poema
terá o destino dos que habitam o lado escuro do país
                      – e espreitam.

                                   Na vertigem do dia (

 

Barulhos (1980-1987)

Todo poema é feito de ar
apenas:
            a mão do poeta
            não rasga a madeira
            não fere
                         o metal
                         a pedra
            não tinge de azul
            os dedos
            quando escreve manhã
            ou brisa
            ou blusa
                         de mulher. 

O poema
é sem matéria palpável
           tudo
           o que há nele
           é barulho
                      quando rumoreja
                       ao sopro da leitura.

 

Um instante

Aqui me tenho
como não me conheço
          nem me quis

sem começo
nem fim

          aqui me tenho
          sem mim

nada lembro
nem sei

à luz presente
sou apenas um bicho
           transparente

 

Poema brasileiro

No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 

No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade 

No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade 

antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

                                          Ferreira Gullar

               In Dentro da noite veloz 1962-1975