Poemas

  

Ouvindo Blues

 

             P/Jorge

 

Conheço-te por teus passos

sulcados em terras mornas

por teu riso vincado

a fogo-fátuo

por teus olhos que dançam

a blues mortiços

dor saberes riscos

da vil obediência ou

ser luta em vão:

descuido de um Deus que cochila.

                   Antônio Gabriel

 

Melancolia

 

Empoleirada nos galhos

Frágeis do tempo

Tento equilibrar-me

Em arames farpados

Onde o dia e a noite

Chegam

Sem crepúsculo nem aurora.

                 Nazaré Machado

  

Primavera

 

Vou sair em asas

de borboletas

roubando o perfume das flores

e a beleza dos campos

 

Depois vai ser

tão difícil morrer.

                Ubirandi Tavares

             In: Hera no 10 

 

 

Só um lembrete de Mário Quintana ….

 

A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira…
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.
Desta forma, eu digo:
 Não deixe de fazer algo que gosta, devido à falta de tempo,
pois a única falta que terá,
será desse tempo que infelizmente não voltará mais.

Mário Quintana

 

Adélia Prado

 

 BRIGA NO BECO
                     Adélia Prado

 Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás com mãos e palavras
que nunca suspeitei conhecer.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior,
                                             [fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo
                                           [ graças.
Desde então faço milagres.

(De Bagagem, 1976)