QUANDO EU FOR APENAS CINZAS
Iderval Miranda
não perguntem ao vento por mim.
ele é uma criança muito desatenta.
.
perguntem ao tempo.
talvez ele saiba algo.
.
Iderval Miranda – dia de Corpus Christi, 2013.
.
QUANDO EU FOR APENAS CINZAS
Iderval Miranda
não perguntem ao vento por mim.
ele é uma criança muito desatenta.
.
perguntem ao tempo.
talvez ele saiba algo.
.
Iderval Miranda – dia de Corpus Christi, 2013.
.
Prêmio Portugal Telecom 2013 anuncia semifinalistas
(Entre eles, dois poetas baianos: Ruy Espinheira Filho e Roberval Pereyr)
O Prêmio Portugal Telecom de Literatura em Língua Portuguesa divulgou nesta segunda-feira (3) os semifinalistas da edição 2013, além do júri que irá escolher os finalistas, em setembro, e os vencedores, em novembro. Nesta primeira etapa, um júri de 280 profissionais da literatura em língua portuguesa indicados pela curadoria selecionou por meio de votação online 63 semifinalistas, dentre 450 livros inscritos, todos publicados no Brasil no ano de 2012.
Devido ao empate na categoria poesia e dois empates entre os romances, 63 livros (e não 60) classificaram-se para a próxima fase. Estão na disputa 21 obras na categoria poesia, 22 na categoria romance e 20 na categoria conto/crônica. Entre os romances, estão contemplados três autores portugueses, um angolano, um moçambicano e 17 brasileiros.
O corpo de jurados que irá selecionar os finalistas e, por fim, os vencedores em novembro é composto por: André Seffrin, Cristóvão Tezza, Italo Moriconi, João Cezar de Castro Rocha, José Castello e Leyla Perrone Moisés.
Confira abaixo a lista completa de semifinalistas:
CONTO/CRÔNICA
A caneta e o anzol – Domingos Pellegrini
A última madrugada – João Paulo Cuenca (leia o Paiol Literário com o escritor)
A verdadeira história do alfabeto – Noemi Jaffe
Ai meu Deus, ai meu Jesus – Fabrício Carpinejar (leia o Paiol Literário com o escritor)
Aquela água toda – João Anzanello Carrascoza
As verdades que ela não diz – Marcelo Rubens Paiva
Cheiro de chocolate e outras histórias – Ronivalter Jatobá
Como andar no labirinto – Affonso Romano de Sant’Anna
Contos inefáveis – Carlos Nejar (leia resenha do livro)
Copacabana Dreams – Natércia Pontes (leia resenha do livro)
Crônicas para ler na escola – Zuenir Ventura
Diálogos impossíveis – Luis Fernando Veríssimo
Essa coisa brilhante que é a chuva – Cíntia Moscovich (leia resenha do livro e Inquérito com a escritora)
Jogo de varetas – Manoel Ricardo de Lima (leia resenha do livro)
Livro das horas – Nélida Piñon (leia o Paiol Literário com a escritora)
Manhãs adiadas – Eltânia André
Mistura fina – Vera Casa Nova
O tempo em estado sólido – Tércia Montenegro
Páginas sem glória – Sérgio Sant’Anna (leia resenha do livro e o Paiol Literário com o escritor)
Shazam! – Jorge Viveiros de Castro (leia resenha do livro)
POESIA
A casa dos nove pinheiros – Ruy Espinheira Filho
A cicatriz de Marilyn Monroe – Contador Borges
A praça azul e Tempo de vidro – Samarone Lima
A voz do ventríloquo – Ademir Assunção
As maçãs de antes – Lila Maia
Caderno inquieto – Tarso de Melo
Ciclo do amante substituível – Ricardo Domeneck
Deste lugar – Paulo Elias Franchetti
Engano geográfico – Marília Garcia
Formas do nada – Paulo Henriques Britto (leia resenha do livro)
Meio seio – Nicolas Behr
Mirantes – Roberval Pereyr
O amor e depois – Mariana Ianelli (leia resenha do livro)
Ouro Preto – Mário Alex Rosa
Píer – Sérgio Alcides
Porventura – Antonio Cícero (leia resenha do livro)
Quando não estou por perto – Annita Costa Malufe
Sentimental – Eucanaã Ferraz
Totens – Sérgio Medeiros
Trato de silêncios – Luci Collin (leia o Paiol Literário com a escritora)
Um útero é do tamanho de um punho – Angélica Freitas (leia Inquérito com a escritora)
ROMANCE
A confissão da leoa – Mia Couto (leia entrevista com o escritor)
A máquina de madeira – Miguel Sanches Neto (leia resenha do livro)
A noite das mulheres cantoras – Lídia Jorge
A sul. O sombreiro – Pepetela
As visitas que hoje estamos – Antonio Geraldo Figueiredo Ferreira (leia entrevista com o escritor)
Barba ensopada de sangue – Daniel Galera (leia resenha do livro e o Paiol Literário com o escritor)
Big Jato – Xico Sá (leia resenha do livro e entrevista com o escritor)
Caderno de ruminações – Francisco Dantas (leia resenha do livro)
Desde que o samba é samba – Paulo Lins (leia resenha do livro e o Paiol Literário com o escritor)
Deus foi almoçar – Férrez (leia resenha do livro)
Era meu esse rosto – Marcia Tiburi (leia resenha do livro e o Paiol Literário com a escritora)
Estive lá fora – Ronaldo Correira de Brito (leia resenha do livro e o Paiol Literário com o escritor)
Mar azul – Paloma Vidal (leia Inquérito com a escritora)
O casarão da rua do Rosário – Menalton Braff (leia resenha do livro)
O céu dos suicidas – Ricardo Lísias (leia resenha do livro e o Paiol Literário com o escritor)
O filho de mil homens – Valter Hugo Mãe
O mendigo que sabia de cor os adágios de Erasmo de Rotterdam – Evandro Affonso Ferreira
O que deu para fazer em matéria de história de amor – Elvira Vigna (leia entrevista com a escritora)
O sonâmbulo amador – José Luiz Passos (leia resenha do livro)
Paulicéia de mil dentes – Maria José Silveira
Sôbolos rios que vão – António Lobo Antunes
Solidão continental – João Gilberto Noll (leia resenha do livro e o Paiol Literário com o escritor)
Os Barcos
Nenhum lugar é onde estamos.
A vida é para passar.
Os filhos, hoje, são homens;
os barcos, naves do mar.
Nosso destino, o jogamos
inteiro naquele ás.
Mas, da vida., que levamos?
As mágoas as marcas, as
plurivórtices lembranças?
Naves sábia, alto mar:
que filho não é criança?
IN:BRASILEIRO, Antônio. Dedal de Areia, Rio de Janeiro: Garamond, 2006, p. 34.
Nanja (2004) Foto: Leo Brasileiro
.
Lado a Lado: Matrizes do Brasil contemporâneo
Alana de O.Freitas El Fahl[i]
A novela Lado a Lado escrita pelos novos autores, João Ximenes Braga e Claudia Lage, cumpriu com maestria sua função artística de entretimento e informação simultaneamente. Com enredo desenvolvido no início do século vinte, trouxe à discussão todas as questões pulsantes daquela época e que ainda ecoam com força cem anos depois.
Ancorada em sólida pesquisa histórica, o texto reviveu páginas marcantes de nossa História, percorrendo grandes fatos como a chegada da República, as reformas urbanas de Pereira Passos (o bota-abaixo), a Revolta da vacina e a Revolta da chibata e, sobretudo, mostrando como esses eventos repercutiam no cotidiano da sociedade da época.
Construída através de personagens extremamente simbólicos, trabalhando o binômio expresso no título, buscou sempre trazer à tona esses múltiplos lados que compõem o Brasil. Do lado da Rua do Ouvidor, a Baronesa da Boa Vista, que ironicamente recusava-se a enxergar as transformações pelas quais o país passava e sempre vociferava as máximas identitárias de nossa elite: “Sabe com quem está falando” e “Ponha-se no seu lugar”, Laura feminista-vanguardista lutava para ter vez e voz num mundo patriarcal, Bonifácio Vieira, protótipo dos nossos políticos corruptos que cobram suas vantagens em qualquer regime que vigore. Do lado da favela que começava a se formar, Berenice, ambiciosa a qualquer que fosse o preço, Isabel, lutando por sua felicidade e enfrentando todos os preconceitos, Caniço, o marginal ingênuo e manipulável. Observemos que tais personagens perverte a ideia de maniqueísmo, pois o bem e mal estão no humano e não nas classes sociais.
Sem abandonar os expedientes caros de todo bom folhetim, como os amores românticos, as cartas roubadas, a bastardia, a falsa beata, a solteirona encalhada, a redenção dos humilhados, as traições pérfidas, os segredos de família, os autores conseguiram ir muito além ao retratar um período histórico que é germe do nosso Brasil de hoje, nos fazendo pensar com bastante lucidez em temas como a intolerância religiosa (o casamento ecumênico foi emocionante), o papel decisivo da cultura africana, o sistema de cotas ( a criação da escola no morro foi brilhantemente defendida na novela, inclusive com a chegada dos alunos adultos ex-escravos), o lugar da imprensa na formação da opinião pública, a relevância do futebol, nossa tendência para a comédia no teatro entre outros aspectos.
Toda a novela é digna de elogios, os cenários, os figurinos, as cenas de rua com todos aquele burburinho de cidade moderna que surgia, a interpretação magistral dos atores (a Baronesa, insuportavelmente boa em seu papel de vilã e Zé Navalha, magnífico em seus conflitos de herói frágil), parece ter saído de uma mistura das páginas de Machado de Assis, Lima Barreto e João do Rio, cronistas por excelência desse Brasil revelado na trama das seis.
E por fim é claro, um clássico final feliz para o regozijo dos telespectadores, os maus punidos e os bons em uma celebração vivificante e solar, pois ao menos na ficção, temos justiça nesse país.
[i] Professora Adjunta de Literatura da Universidade Estadual de Feira de Santana, alana_freitas@yahoo.com.br
.
GATO ROMEU
Antônio Brasileiro
Acastos Romeu ia fazer 60 anos. Não parecia. Parecia ter 40. Talvez pelo tipo de paixão que o dominava: as bolas de gude.
Acastos era carteiro, vivia com a mãe. Sua mania pelas bolas de gude vinha da infância – e, pelo visto, durava mais de 50 anos. Acastos para uns, Romeu para outros, Gato Romeu era como os meninos de cinco gerações o conheciam. Diariamente, às cinco em ponto, lá estava ele, na praça, gudes no bolso. Aquilo lá era quase uma instituição: de pai para filho, conhecia-se o cantinho da praça: lá está o Gato, dizia-se. Romeu, sozinha, era uma palavra que indicava extrema habilidade, às vezes mesmo pintalgada de sagacidade, “sabedoria” – roubo enfim. Mas este sentido não se aplicava a Gato Romeu, que era decente, mesmo porque que só brincava, não apostava. O seu “romeu” é porque soava a voz de gato, só.
Então a mãe de Gato Romeu morreu. A velhinha ia fazer 90 anos, forte e saudável; mas começara de repente a espirrar – era missa de Santo Antônio – e no dia 13 mesmo morreu. Acastos herdou a casa e um pedaço de dinheiro vivo da poupança da velha. Não era muita coisa, claro, mas o suficiente para que duas mulheres se declarassem subitamente apaixonadas pelo carteiro.
E agora, Gato? – perguntavam-lhe os amigos de sua idade. – Glória te capa.
Glória, esclareçamos, era a puta mais simpática da zona. Cliente Acastos há muitos anos, ela era praticamente uma irmã, tal o cuidado como o tratava. – E agora, Gato? Mas as mulheres sérias de Arrozais conheciam Glória: “E Glória é boba?”, diziam.
As duas mulheres estavam mesmo empenhadas em se casar com o bom homem, agora gozosa notícia na cidadezinha de Arrozais. Que vai ser de nossos filhos? – clamavam os ex-meninos jogadores de gude, agora pais, e um ou dois avós. – E o cantinho da praça? Gato Romeu casado?
Torciam a boca.
Glória, claro, não era boba. As mulheres se estapearam e tudo acabou em gracejos da população. Aos domingos, Gato Romeu se vestia a rigor para jogar gude. Com gravata e tudo.
29/05/2007