Um poema de Florbela Espanca

 

VAIDADE

 

Sonho que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,

Que reúne num verso a imensidade!

 

Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade!

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

 

Sonho que sou Alguém cá neste mundo…

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a terra anda curvada!

 

E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,

E não sou nada! …

                  (Florbela Espanca)

 

Reflexões de um poeta

 

Divisor de Águas

Antônio Brasileiro

Prezados senhores, somos todos

da mesma cepa se vistos de binóculos.

Mas não somos os mesmos.

Eu, com meus poemas indecifráveis

vós, com vossas gravatas coloridas /

eu, com esta consciência de mim

vós, com vossa mesa farta /

 

eu, buscando o sempre inatingível

vós, com vossas gravatas coloridas I

eu, meditando muito sobre vós

vós, com sua mesa farta.

Não somos da mesma cepa, mas vistos

de binóculo somos os mesmos.

Eis uma grande injustiça.

In Antologia Poética. Salvador: Casa de Jorge Amado; Copene, 1996

Um poema de Fernando Pessoa

 

Navegar é preciso

 

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:

“Navegar é preciso;  viver não é preciso”.

Quero para mim o espírito desta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

                                               Fernando Pessoa

Um poema de Cora Coralina

 

Assim eu vejo a vida 

Cora Coralina 

A vida tem duas faces:
positiva e negativa
O passado foi duro
mas deixou o seu legado
Saber viver é a grande sabedoria
Que eu possa dignificar
Minha condição de mulher,
aceitar suas limitações
e me fazer pedra de segurança
dos valores que vão desmoronando.
Nasci em tempos rudes
aceitei contradições
lutas e pedras
como lições de vida
e delas me sirvo
Aprendi a viver

In: Jornal “Folha de São Paulo” — caderno “Folha Ilustrada”, em 04/07/2001

 

Poemas

  

Ouvindo Blues

 

             P/Jorge

 

Conheço-te por teus passos

sulcados em terras mornas

por teu riso vincado

a fogo-fátuo

por teus olhos que dançam

a blues mortiços

dor saberes riscos

da vil obediência ou

ser luta em vão:

descuido de um Deus que cochila.

                   Antônio Gabriel

 

Melancolia

 

Empoleirada nos galhos

Frágeis do tempo

Tento equilibrar-me

Em arames farpados

Onde o dia e a noite

Chegam

Sem crepúsculo nem aurora.

                 Nazaré Machado

  

Primavera

 

Vou sair em asas

de borboletas

roubando o perfume das flores

e a beleza dos campos

 

Depois vai ser

tão difícil morrer.

                Ubirandi Tavares

             In: Hera no 10