Adélia Prado

 

 BRIGA NO BECO
                     Adélia Prado

 Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás com mãos e palavras
que nunca suspeitei conhecer.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior,
                                             [fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo
                                           [ graças.
Desde então faço milagres.

(De Bagagem, 1976)
                   

 

Um poema de Luís Pimentel

 

O poema Canto Menor foi publicado na revista Hera, nos anos 70. Gosto muito do poema e quis fazer uma surpresa ao poeta; em um daqueles momentos de paz e ócio imaginei como ele ficaria na língua de Voltaire. O resultado está no post que ora publico.

CANTO MENOR

p/ Antonio Brasileiro

Eu que recitava

ser maior que o mundo,

hoje me concentro:

sou menor que a água.

Só que menos clara,

só que menos calma,

só que menos

e só.

             (Luís Pimentel)

 

Chant  mineur

p/ Antonio Brasileiro

Moi qui m’imaginais

plus grand que le monde,

aujourd’hui je me concentre :

Je suis plus petit que l’eau.

Bien que moins clair,

bien que moins calme,

bien que plus petit

c’est tout.

(Luis Pimentel)

 

Luís Pimentel para crianças

Cachorro de dois rabos

 

Luís Pimentel

Algumas pessoas riam,

outras até sentiam pena.

Todos prestavam atenção

no cachorro malucão,

que exibia dois  rabos.

Mas ele não fazia cena.

Ao invés de ficar triste,

macambúzio, esquisitão,

foi atrás da solução

para as duas vassourinhas:

uma espantava as moscas,

outra acenava  para as cadelinhas.

 

Um grande lançamento: Poesia Reunida e Inéditos

A obra Poesia Reunida e Inéditos concretiza uma antiga aspiração dos admiradores de Florisvaldo Mattos: ver reunida, no seu conjunto, sua poesia, dos anos 1950 até os nossos dias. O livro, editado pela Escrituras, de São Paulo, foi  lançado na Livraria Cultura, do Salvador Shopping, ontem,  dia 14.

Como diz Alexei Bueno, no texto das orelhas, o livro representa “meio século de expressão lírica de um grande poeta grapiúna, soteropolitano, baiano brasileiro e universal, um dos poetas com mais requintado senso da terra, da coisa rural, dos mais ligados a seu momento histórico”.

Entre os poetas brasileiros surgidos na década de 1960 – fase extremamente criadora, aqui e no mundo — um dos altos postos pertence a Florisvaldo Mattos. Sua obra poética, dominada por uma dicção fortemente pessoal, é, ao mesmo tempo, de uma abrangência e de uma variedade que desconcertam qualquer crítico.

Um dos polos essenciais da criação de Florisvaldo Mattos, como destaca JC Teixeira Gomes no prefácio do livro, “é o cultivo de um lirismo sempre comedido, trabalhado com extrema propriedade de recursos, sendo certamente o único na sua geração que transita do lírico para o épico com absoluta naturalidade, mestre nos dois caminhos poéticos, consciente do poder que tem sobre as palavras”.

O vasto conjunto lírico que encontramos nesta Poesia reunida e inéditos representa, portanto, um monumento da poesia brasileira de entre a segunda metade do século passado e a primeira década do presente, erguido por um espírito agudamente atento ao tempo e dele liberto, como sempre é, paradoxalmente, o dos grandes poetas.

Sobre o autor

Florisvaldo Moreira de Mattos é natural de Uruçuca, no sul do Estado da Bahia. Fez os estudos primários na cidade natal e os secundários em Itabuna e Ilhéus, completando-os em Salvador, onde se diplomou em Direito pela Universidade Federal da Bahia (1958); mas optou pelo exercício do jornalismo profissional, ocupando cargos em vários jornais, como repórter, chefe de reportagem, redator, editor e editor-chefe. Integrou o grupo nuclear da Geração Mapa, que atuou na Bahia nos anos 1960 sob a liderança do cineasta Glauber Rocha.

Escritor e poeta, atuou nas revistas Ângulos e Mapa, ambas editadas em Salvador. De 1990 a 2003, foi editor do suplemento Cultural, publicado semanalmente pelo jornal A Tarde, premiado em 1995 pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Desde 1995, ocupa a Cadeira 31 da Academia de Letras da Bahia. Ex-professor da Faculdade de Comunicação da UFBA, também exerceu, entre 1987-89, a presidência da Fundação Cultural do Estado. Obras publicadas: Reverdor (1965); Fábula Civil (1975); A Caligrafia do Soluço & Poesia Anterior (1996), pelo qual recebeu o Prêmio Ribeiro Couto de Poesia, da União Brasileira de Escritores; Mares Anoitecidos (2000) e Galope Amarelo e Outros Poemas (2001) (todos de poesia); Estação de Prosa & Diversos (coletânea de ensaios, ficção e teatro, 1997); A Comunicação Social na Revolução dos Alfaiates (1998) e Travessia de oásis – A sensualidade na poesia de Sosígenes Costa (2004), ambos de ensaios. Como poeta e ensaísta, publicou textos em jornais e revistas de literatura e ciências humanas, estaduais e nacionais, e tem poemas publicados em antologias do Brasil, Portugal e Espanha (Galícia).

Fonte: plugcultura

 

Simplesmente Capinan

 

Balança mas Hai-Kai

José Carlos Capinan

CHAPLIN

Um vagabundo

Tira do bolso imundo

Um mapa-mundi

TEMPO

Tempos kamikases

As bombas de Oklahoma

São karmas de Nagasaki

 

POIESIS

A flor sustenta o caule

Eu não sei como fazer

(Quem sabe se a flor sabe?)

DESEJO

Plenilúnio

Plenamente nua

Cantas aleluias

INTERVALO

Entre nós existiria

O precipício de uma ponte

Ou somente travessia?

RELÂMPAGOS

Aves que não voam

Lá se vão os trovões

Pássaros que soam

In: Poemas – Antologia e inéditos. Fundação Casa de Jorge Amado, Salvador, 1996, p. 109.

Soy loco por ti América – Capinan / Torquato Neto

José Carlos Capinan – Filho de Osmundo Capinan e Judite Bahiana Capinan, nasceu na Fazenda Gavião, município de Esplanada – Bahia. Diplomou-se em pedagogia e medicina. Em 1960, mudou-se para Salvador e estudou teatro no Centro Popular de Cultura, ligado à UNE; conheceu Caetano Veloso e Gilberto Gil, ambos cursando as faculdades de Filosofia e Administração de Empresas, respectivamente.

No ano de 1963, escreveu e estreou a peça “Bumba-meu-boi”, musicada por Tom Zé. Em 1964 transferiu-se para São Paulo e trabalhou como redator publicitário na agência Alcântara Machado. Por essa época, conheceu Geraldo Vandré (que fazia jingles para a agência), além de Gianfrancesco Guarnieri e Augusto Boal (do Teatro de Arena) que o levaram para o meio musical. Logo depois foi apresentado a Edu Lobo.

Participou ativamente dos movimentos culturais da década de 1960: Centro Popular de Cultura (CPC), Feira da Música (Teatro Jovem, ao lado de Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Torquato Neto e Gilberto Gil) e Tropicalismo, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé, Os Mutantes, Nara Leão, Torquato Neto, Rogério Duarte, Rogério Duprat e Gal Costa.

Em 1965, foi co-autor, com Caetano Veloso e Torquato Neto, da peça “Pois É”, interpretada por Gilberto Gil, Maria Bethânia e Vinicius de Moraes, no teatro Opinião, no Rio de Janeiro. Compôs com Caetano Veloso a trilha sonora do filme “Viramundo”, de Geraldo Sarno, que contou também com a música-título “Viramundo”, esta, composta em parceria com Gilberto Gil.

No ano de 1966, publicou o livro de poemas “Inquisitorial”. Em seguida, voltou a Salvador, onde cursou Medicina, profissão que chegou a exercer por algum tempo.

Na década de 1970, foi co-editor ao lado de Abel Silva da “Revista Anima”. Em 1973, dirigiu e produziu o show de Gal Costa e Jards Macalé, no teatro Oficina, em São Paulo, e o espetáculo “Luiz Gonzaga, o Rei do Baião”, no teatro Teresa Raquel, no Rio de Janeiro.  Em 1976, publicou poemas na antologia “26 poetas hoje”, organizada por Heloísa Buarque de Hollanda. No ano seguinte, lançou pela editora Macunaíma “Ciclo de navegação Bahia e gente”.

Em 1982 formou-se em Medicina, pela UFBA. Dois anos depois, estruturou a TV Educativa da Bahia, criando diversos programas para seu lançamento e em 1985 atuou como diretor da emissora.  Em 1986 foi nomeado Secretário Municipal da Cultura, de Camaçari (BA), passando a integrar o Conselho Nacional de Direito Autoral, do Ministério da Cultura (MinC). De 1987 a 1989, atuou como Secretário da Cultura do Estado da Bahia, e como presidente dos Fóruns Nacional de Secretários da Cultura e Estadual de Cultura. Neste mesmo ano editou três livros: “Inquisitorial” (reedição, o original é de 1967) e “Confissões de Narciso”, pela editora Civilização Brasileira, além de “Balança Mas Hai Kai”, pela editora BDA.

Em 1990, fez o show “Poeta, mostra a tua cara”, tendo como convidados especiais Gilberto Gil, Paulinho da Viola e Geraldo Azevedo, no Jazz Club, no Rio de Janeiro. No ano de 1995, relançou do pela Editora Civilização Brasileira, “Inquisitorial”, seu livro de poemas, contou com ensaio crítico de José Guilherme Merquior, escrito em 1968 e publicado no livro “A astúcia da mímese” em 1969. No ano seguinte, em 1996, publicou “Uma canção de amor às árvores desesperadas”, livro de poemas. Neste mesmo ano apresentou-se no projeto “Fala, poeta”, acompanhado pelo grupo Confraria da Bazófia, em Salvador, Bahia. Publicou também “Signo de Navegação Bahia e Gente” e “Estrela do Norte, Adeus”.