Nara Leão canta Soneto

Soneto

 Chico Buarque

 

Por que me descobriste no abandono?

Com que tortura me arrancaste um beijo?

Por que me incendiaste de desejo

Quando eu estava bem morta de sono?

 

Com que mentira abriste meu segredo?

De que romance antigo me roubaste?

Com que raio de luz me iluminaste?

Quando eu estava bem morta de medo?

 

Por que não me deixaste adormecida

e me indicaste o mar, com que navio

e me deixaste só, com que saída

 

Por que desceste ao meu porão sombrio

com que direito a mim ensinaste a vida

quando eu estava bem, morta de frio

 

 

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Camisa listrada

O carnaval chegou ao fim. Beijos, amores, muita curtição e até corações partidos no final da festa. Agora é esperar 2014.

Durante o reinado de Momo não saí de casa, embora seja foliã assumida; mas,  o tempo passou e não me adapto mais ao carnaval moderno, vendido, espremido. Não acho a menor graça em camarotes e o espaço da rua está muito disputado, muito estreito para o meu gosto.

Hoje uma amiga me contou que fugiu da folia e foi descansar numa praia tranquila, daquelas que ainda não foram invadidas pelo “progresso”; mas, no domingo à tarde ouviu um som alegre na rua e foi espiar. Era uma bandinha que passava tocando marchinhas e sambas e que animava os moradores do lugar. Não resistiu. Pegou a filha pequena pela mão e correu atrás. Acompanhou a charanga até a pracinha do vilarejo e dançou até o sol desaparecer no horizonte. A menina adorou a fuzarca e a minha amiga, sorridente, não cabia em si de contentamento.

Fiquei com um poucquinho de inveja, da boa.

Bem que eu gostaria de ter participado daquele carnaval improvisado, porque o bom da festa é a irreverência, o inesperado, a alegria das coisas simples.

Lembrei então de um samba antigo, daqueles inesquecíveis, que todo mundo conhece. Trata-se de Camisa Listrada (1937), de Ary Barroso, imortalizado por Carmem Miranda no carnaval de 1938. Acredito que ele resume o espírito do carnaval, descompromissado e irreverente, de muitos brasileiros por esse país afora.

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