Um poema cantado

Dentro de mim mora um anjo

                                                (Sueli Costa/Cacaso)

Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim

Dentro de mim mora um anjo
Que tem a boca pintada
Que tem as unhas pintadas
Que tem as asas pintadas
Que passa horas à fio

No espelho do toucador
Dentro de mim mora um anjo
Que me sufoca de amor

Dentro de mim mora um anjo
Montado sobre um cavalo
Que ele sangra de espora
Ele é meu lado de dentro
Eu sou seu lado de fora

 

Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim
Dentro de mim mora um anjo
Que arrasta suas medalhas
E que batuca pandeiro
Que me prendeu em seus laços
Mas que é meu prisioneiro
Acho que é colombina
Acho que é bailarina
Acho que é brasileiro

 

Quem me vê assim cantando
Não sabe nada de mim

 

Um poema de Florbela Espanca

 

VAIDADE

Sonho  que sou a Poetisa eleita,

Aquela que diz tudo e tudo sabe,

Que tem a inspiração pura e perfeita,

Que reúne num verso a imensidade!

Sonho que um verso meu tem claridade

Para encher todo o mundo! E que deleita

Mesmo aqueles que morrem de saudade!

Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

Sonho que sou Alguém cá neste mundo…

Aquela de saber vasto e profundo,

Aos pés de quem a terra anda curvada!

E quando mais no céu eu vou sonhando,

E quando mais no alto ando voando,

Acordo do meu sonho… E não sou nada! …

                    (Florbela Espanca)

DOIDA OU SANTA?

                                                         Martha Medeiros

“Estou no começo do meu desespero e só vejo dois caminhos: ou viro doida ou santa”.

São versos de Adélia Prado, retirados do poema A Serenata. Narra a inquietude de uma mulher que imagina que mais cedo ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está envelhecendo e está tomada pela indecisão – não sabe como receber  um novo amor não dispondo mais de juventude. E encerra:  “De que modo vou abrir a janela, se não for doida? Como a fecharei, se não for santa?”

Adélia é uma poeta danada de boa. E perspicaz. Como pode uma mulher  buscar  uma  definição exata para si mesma, estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde encontrou alegrias e desilusões,  e  tendo  ainda  mais  estrada  pela frente?  Se ela tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões – e a gente sabe como as desilusões devastam – terá que ser meio doida. Se preferir  se abster de emoções fortes e  apaziguar  seu  coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso dizer o que penso sobre isso, preciso?

Mas vamos lá. Pra começo de conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa.. Os marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe??? Nem ela, caríssimos, nem ela.

Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu  tanto  azar  em suas relações que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá que deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores  que  passou  a  se  contentar  com  dias  medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra mais.

Santa mesmo, só Nossa Senhora, mas cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (não se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do).

Toda mulher é doida. Impossível não ser. A gente nasce com um dispositivo interno que nos informa desde cedo que, sem amor, a vida não vale a pena ser vivida, e dá-lhe usar nosso poder de sedução para encontrar ‘the big one’, aquele que será inteligente, másculo, se importará com nossos sentimentos e não nos deixará na mão jamais. Uma tarefa que dá para ocupar  uma vida, não é mesmo? Mas, além disso,temos que ser independentes, bonitas, ter filhos e fingir de vez em quando que somos santas, ajuizadas, responsáveis, e que nunca, mas nunca,   pensaremos  em jogar tudo pro alto e embarcar num navio-pirata comandado  pelo  Johnny  Depp, ou então virar uma cafetina, sei lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.

Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada,dramática, verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante.Pois então. Também é louca. E fascina a todos.

Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a  idade  que   tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota. Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze, que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseja mais nada? Você vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.                   

 A SERENATA

                 Adélia Prado

Uma noite de lua pálida e gerânios
ele viria com boca e mãos incríveis
tocar flauta no jardim.
Estou no começo do meu desespero
e só vejo dois caminhos:
ou viro doida ou santa.
Eu que rejeito e exprobo
o que não for natal como sangue e veias
descubro que estou chorando todo dia,
os cabelos entristecidos,
a pele assaltada de indecisão.
Quando ele vier, porque é certo que vem,
de que modo vou chegar ao balcão sem juventude?
A lua, os gerânios e ele serão os mesmos
– só a mulher entre as coisas envelhece.
De que modo vou abrir a janela, se não for doida?
Como a fecharei, se não for santa?

Ser mãe é dureza

O dias das Mães está chegando e lembrei de um poema de Coelho Neto que era recitado nas escolas no meu tempo de menina.

  

Ser Mãe

Ser mãe é desdobrar fibra por fibra
o coração! Ser mãe é ter no alheio
lábio que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, onde o amor, cantando, vibra.

Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormindo! É ser anseio,
é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra!

Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!

Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!
                             (Coelho Neto)

E lembrei também de uma canção antiga que a minha mãe cantarolava. Procurei na ‘santa’ internet e achei a letra. Vale a pena comparar os dois textos e rir um pouco.

 Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração
É não pregar o olho a noite inteira no serão
É andar na correria preparando mamadeira
Ao som de uma tremenda choradeira

É fralda toda noite todo dia pra trocar
Porém na poesia esqueceram de contar
Ser mãe é muito bom para um poeta inocente
Mas ele se quiser que experimente

Ir  ao cinema já perdi a esperança
Não tenho em casa uma babá de confiança
E tome fralda e mamadeira pra lavar
Enquanto papaizinho vai pra rua passear

Pra meu castigo, meu consolo vejam só
Um belo dia sou chamada de vovó
Mas a verdade é prova de juízo
A gente por vontade padecer num paraíso

                                         (Inezita Barroso)

            Boa noite, até amanhã!

Um poema de Antônio Brasileiro

CONTEMPLAÇÃO DA NUVEM                         

 Antônio Brasileiro
p/ Beto

A vida é a contemplação daquela nuvem.

E o mundo

uma forma de passar, que inventamos

para não ver que o mundo não é o mundo,

mas uma nuvem

                           passando.

E uma nuvem passando

ensina-nos mais coisas que cem pássaros

mil livros       um milhão de homens.

A vida é a contemplação daquela nuvem.

E o mundo

uma forma de passar, que inventamos

para não ver que o mundo não é o mundo,

mas uma nuvem.

Passando.