Leni David
Os acordes de um violão vadio,
fragmento perdido de canção
fez do silêncio melodia.
A paz embriagou a noite
o amor prevaleceu maior.
Leni David
Os acordes de um violão vadio,
fragmento perdido de canção
fez do silêncio melodia.
A paz embriagou a noite
o amor prevaleceu maior.
Cecília Meireles
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras:
olhos colados aos vidros,
mulheres e homens à espreita,
caras disformes de insônia,
vigiando as ações alheias.
Pelas gretas das janelas,
pelas frestas das esteiras,
agudas setas atiram
a inveja e a maledicência.
Palavras conjeturadas
oscilam no ar de surpresas,
como peludas aranhas
na gosma das teias densas,
rápidas e envenenadas,
engenhosas, sorrateiras.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
brilham fardas e casacas,
junto com batinas pretas.
E há finas mãos pensativas,
entre galões, sedas, rendas,
e há grossas mãos vigorosas,
de unhas fortes, duras veias,
e há mãos de púlpito e altares,
de Evangelhos, cruzes, bênçãos.
Uns são reinóis, uns, mazombos;
e pensam de mil maneiras;
mas citam Vergílio e Horácio,
e refletem, e argumentam,
falam de minas e impostos,
de lavras e de fazendas,
de ministros e rainhas
e das colônias inglesas.
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
uns sugerem, uns recusam,
uns ouvem, uns aconselham.
Se a derrama for lançada,
há levante, com certeza.
Corre-se por essas ruas?
Corta-se alguma cabeça?
Do cimo de alguma escada,
profere-se alguma arenga?
Que bandeira se desdobra?
Com que figura ou legenda?
Coisas da Maçonaria,
do Paganismo ou da Igreja?
A Santíssima Trindade?
Um gênio a quebrar algemas?
Atrás de portas fechadas,
à luz de velas acesas,
entre sigilo e espionagem,
acontece a Inconfidência.
E diz o Vigário ao Poeta:
“Escreva-me aquela letra
do versinho de Vergílio…”
E dá-lhe o papel e a pena.
E diz o Poeta ao Vigário,
com dramática prudência:
“Tenha meus dedos cortados
antes que tal verso escrevam…”
LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,
ouve-se em redor da mesa.
E a bandeira já está viva,
e sobe, na noite imensa.
E os seus tristes inventores
já são réus — pois se atreveram
a falar em Liberdade
(que ninguém sabe o que seja).
Através de grossas portas,
sentem-se luzes acesas,
— e há indagações minuciosas
dentro das casas fronteiras.
“Que estão fazendo, tão tarde?
Que escrevem, conversam, pensam?
Mostram livros proibidos?
Lêem notícias nas Gazetas?
Terão recebido cartas
de potências estrangeiras?”
(Antiguidades de Nimes
em Vila Rica suspensas!
Cavalo de La Fayette
saltando vastas fronteiras!
Ó vitórias, festas, flores
das lutas da Independência!
Liberdade – essa palavra,
que o sonho humano alimenta:
que não há ninguém que explique,
e ninguém que não entenda!)
E a vizinhança não dorme:
murmura, imagina, inventa.
Não fica bandeira escrita,
mas fica escrita a sentença.
Fragmento extraído do livro “Romanceiro da Inconfidência“, Editora Letras e Artes – Rio de Janeiro, 1965, pág. 70.
Leni David
Puedo escribir los versos mas tristes esta noche…
Versos na tarde madrilense.
Um poeta solitário
de negro
no Parque do Retiro.
Ar pesado, mormaço,
um lemon granizado sobre a mesa
mãos que buscam a mão do companheiro…
casais de namorados,
velhos sem pressa
que passam
acordes de um realejo…
A tarde finda
prenhe de poesia:
vinte poemas de amor e uma canção desesperada;
o pensamento
solto em fantasia,
os olhos fixos
nas águas calmas do lago
onde se espelha o Palácio de Cristal.
Publicado Revista Hera, n° 20.
Feira de Santana: Edições Cordel, 2005, p. 36
No Bar
Vozes,vozes,vozes,
(nada é dito)
risos e gargalhadas
(longe)
À mesa, amigos (?)
e eu, estranho,
entre garrafas e brindes.
Metrópole
Grande cenário
de gentes
indigentes.
Uns traseuntes,
outros permanentes.
Mantra
Sou reflexo do eu intento
Repetido até perder o nexo.
Cinquentenário
Hoje contei
cento e dezoito vidas diferentes,
todas possíveis em meu mesmo corpo.
Todas vivi um pouco ou quase nada,
e o que sobrou foi essa miscelânea
de indecisões e dúvidas crescentes.
João Edson Salete Aguiar – Nasceu em Rosário do Sul – RS. Funcionário aposentado do Banco do Brasil, trabalhou como gerente em quase todos os estados do Brasil. Transferiu-se para a Bahia em 1985. Residiu em Feira de Santana e, atualmente, vive em Salvador. Graduado em Administração, é poeta e contista. Publicou Seis da Tarde, Edições Cordel: Feira de Santana, 2004; e Na cadeira do meu pai, Salvador: SCT/FUNCEB, 2006.