Instante

                                                                               
                                                             Leni David

                      Os acordes de um violão  vadio,

                    fragmento perdido de canção

                    fez do silêncio melodia.

                    A paz embriagou a noite

                    o amor prevaleceu maior.

  

Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência

                          Cecília Meireles

Através de grossas portas,

sentem-se luzes acesas,

— e há indagações minuciosas

dentro das casas fronteiras:

olhos colados aos vidros,

mulheres e homens à espreita,

caras disformes de insônia,

vigiando as ações alheias.

Pelas gretas das janelas,

pelas frestas das esteiras,

agudas setas atiram

a inveja e a maledicência.

Palavras conjeturadas

oscilam no ar de surpresas,

como peludas aranhas

na gosma das teias densas,

rápidas e envenenadas,

engenhosas, sorrateiras.

Atrás de portas fechadas,

à luz de velas acesas,

brilham fardas e casacas,

junto com batinas pretas.

E há finas mãos pensativas,

entre galões, sedas, rendas,

e há grossas mãos vigorosas,

de unhas fortes, duras veias,

e há mãos de púlpito e altares,

de Evangelhos, cruzes, bênçãos.

Uns são reinóis, uns, mazombos;

e pensam de mil maneiras;

mas citam Vergílio e Horácio,

e refletem, e argumentam,

falam de minas e impostos,

de lavras e de fazendas,

de ministros e rainhas

e das colônias inglesas.

Atrás de portas fechadas,

à luz de velas acesas,

uns sugerem, uns recusam,

uns ouvem, uns aconselham.

Se a derrama for lançada,

há levante, com certeza.

Corre-se por essas ruas?

Corta-se alguma cabeça?

Do cimo de alguma escada,

profere-se alguma arenga?

Que bandeira se desdobra?

Com que figura ou legenda?

Coisas da Maçonaria,

do Paganismo ou da Igreja?

A Santíssima Trindade?

Um gênio a quebrar algemas?

Atrás de portas fechadas,

à luz de velas acesas,

entre sigilo e espionagem,

acontece a Inconfidência.

E diz o Vigário ao Poeta:

“Escreva-me aquela letra

do versinho de Vergílio…”

E dá-lhe o papel e a pena.

E diz o Poeta ao Vigário,

com dramática prudência:

“Tenha meus dedos cortados

antes que tal verso escrevam…”

LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,

ouve-se em redor da mesa.

E a bandeira já está viva,

e sobe, na noite imensa.

E os seus tristes inventores

já são réus — pois se atreveram

a falar em Liberdade

(que ninguém sabe o que seja).

Através de grossas portas,

sentem-se luzes acesas,

— e há indagações minuciosas

dentro das casas fronteiras.

 “Que estão fazendo, tão tarde?

Que escrevem, conversam, pensam?

Mostram livros proibidos?

Lêem notícias nas Gazetas?

Terão recebido cartas

de potências estrangeiras?”

(Antiguidades de Nimes

em Vila Rica suspensas!

Cavalo de La Fayette

saltando vastas fronteiras!

Ó vitórias, festas, flores

das lutas da Independência!

Liberdade – essa palavra,

que o sonho humano alimenta:

que não há ninguém que explique,

e ninguém que não entenda!)

E a vizinhança não dorme:

murmura, imagina, inventa.

Não fica bandeira escrita,

mas fica escrita a sentença.

Fragmento extraído do livro “Romanceiro da Inconfidência“, Editora Letras e Artes – Rio de Janeiro, 1965, pág. 70.

Ocaso em Madrid

                    Leni David

Puedo escribir los versos mas tristes esta noche

 Versos na tarde madrilense.

Um poeta solitário

de negro

no Parque do Retiro.

 

Ar pesado, mormaço,

um lemon granizado sobre a mesa

mãos que buscam a mão do companheiro…

casais de namorados,

velhos sem pressa

que passam

acordes de um realejo…

 

A tarde finda

prenhe de poesia:

vinte poemas de amor e uma canção desesperada;

o pensamento

solto em fantasia,

os olhos fixos

nas águas calmas do lago

onde se espelha o Palácio de Cristal.

 

     Publicado Revista Hera, n° 20.

     Feira de Santana: Edições Cordel, 2005, p. 36

Foto capturada na internet

Um poema de Verlaine traduzido em português

 
Gosto muito de Chanson d’automne, escrito por Verlaine, também conhecido como “poeta maldito” e “príncipe dos poetas”; outro dia encontrei uma tradução do poema, escrita por Alphonsus Guimaraens, um dos mais admirados poetas simbolistas do Brasil e que viveu até os anos 20 do século passado.
 
 
CHANSON D’AUTOMNE
  
Les sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon coeur
D’une langueur
Monotone.
 Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure.
 Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.
Paul Verlaine
 
 
CANÇÃO DO OUTONO
 
(Tradução: Alphonsus de Guimaraens)
Os soluços graves
Dos violinos suaves
Do outono
Ferem a minh’alma
Num langor de calma
E sono.
Sufocado, em ânsia,
Ai! quando à distância
Soa a hora,
Meu peito magoado
Relembra o passado
E chora.
Daqui, dali, pelo
Vento em atropelo
Seguido,
Vou de porta em porta,
Como a folha morta
Batido

Outono em Paris

João Edson Salete Aguiar

 

         No Bar  

 Vozes,vozes,vozes,

                                (nada é dito)

            risos e gargalhadas

                                   (longe)

           À mesa,       amigos (?)

           e eu, estranho,

           entre garrafas e brindes.

 Metrópole         

 Grande cenário

          de gentes

          indigentes.

         Uns traseuntes,

         outros permanentes.

        Mantra

Sou reflexo do eu intento

        Repetido até perder o nexo.

Cinquentenário  

Hoje contei

cento e dezoito vidas diferentes,

        todas possíveis em meu mesmo corpo.

        Todas vivi um pouco ou quase nada,

        e o que sobrou foi essa miscelânea

        de indecisões e dúvidas crescentes.

 

João Edson Salete Aguiar – Nasceu em Rosário do Sul – RS. Funcionário aposentado do Banco do Brasil, trabalhou como gerente em quase todos os estados do Brasil. Transferiu-se para a Bahia em 1985. Residiu em Feira de Santana e, atualmente, vive em Salvador. Graduado em Administração, é poeta e contista. Publicou Seis da Tarde, Edições Cordel: Feira de Santana, 2004; e Na cadeira do meu pai, Salvador: SCT/FUNCEB, 2006.