ALMANDRADE: Poemas de Natal

 

Natal

Uma voz nua

canta o sentimento

conversa de natal

a solidão

nos contempla

somos habitados

pela música

da noite.

Noite de Natal

Atrás da canção

uma grande lua

a estrela da festa

sinos da madrugada

que ninguém mais

escuta

despertam

lembranças distantes.

Uma foto do Natal

No ar

a coreografia

de uma flauta

antigas velas

ainda acesas

velhas ceias

em preto e branco

esperando

a madrugada

e a festa

O natal se arrasta

Lentamente.

(Almandrade)

Almandrade, por Antônio Luiz M. Andrade:  É arquiteto, poeta e artista plástico baiano. Como artista plástico já participou de quatro bienais internacionais em São Paulo, além de várias outras exposições no país e no exterior. Editou em 74 a revista “Semiótica” e, seus poemas procuram dar às palavras intensidade plástica, forma. Publicou os livros “O Sacrifício dos Sentidos”, “Obscuridade do Riso”, “Poemas”, “Suor Noturno,” “Arquitetura de Algodão”. É um dos grandes nomes brasileiros do poema visual.

 

Cachoeira recebe exposição de Damário Dacruz

“A poesia não pede passagem” e faz suas rimas nas históricas ruas de Cachoeira, Recôncavo Baiano, de 5 a 22 de dezembro. A cada esquina, o verso se descortina a olhos nus, estampando postes, carrinhos de pipoca, barracas e bares com os escritos de Damário DaCruz.

Natural de Salvador, mas filho legítimo de Cachoeira, condecorado com o título de “Cidadão Cachoeirano” em 2005, Damário empresta seus poemas aos passantes e transeuntes, “poetizando” o dia a dia da cidade com uma exposição inédita. São mais de 30 poemas com temáticas ligadas ao tempo, à natureza, às relações humanas, ao amor… Enfim, à vida. E todos à disposição do público, em uma mostra a céu aberto.

 

A exposição é uma produção da Baluart, com curadoria de Graça Cruz. Em paralelo, acontecem ainda projeções de vídeo-poesia e curtas sobre poetas brasileiros, como Manuel de Barros e Fernando Sabino, nos dias 8, 9 e 10, no espaço Pouso da Palavra, fundado pelo próprio Damário. E, no dia 8, também tem show gratuito com o Samba da G.I.A, a partir das 22h.

 

Damário DaCruz – Jornalista, escritor, publicitário, fotógrafo e poeta, conquistou seu primeiro prêmio aos 16 anos, na Semana do Livro Baiano e, aos 23, o prêmio nacional Convívio de Poesia. Foi considerado o melhor poeta brasileiro universitário na década de 70 e suas obras estampam muros em diversos países da América Latina. Falecido em 2010, deixou de legado 500 poemas, mais de 30 posters-poemas e três livros
publicados; fruto de 40 anos dedicados a traduzir o mundo em rimas e versos.

Salve o poeta!

 

POEMA DE SETE FACES

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é serio, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.

                              Carlos Drummond de Andrade

 

Os motivos de Cecília

Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
– não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
– mais nada.

(Cecília Meireles)