Florisvaldo Matos – Um poema de carnaval

 

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Tela de Carybé

 

Oficina de Carnaval

Florisvaldo Mattos

 

 Desenrole as palavras como

 se fossem veste sobre a pele

 e escreva suas frases como

 se alisasse um rosto (assim

 como nesta hora fazem os negros

 melhor do que os brancos).

 Saiba traduzir o silêncio

 na face angustiada de quem

 está dentro ou fora das cordas.

 Escute o sussurro das mãos

 ébrias de luz, cor e afagos;

 não apenas a voz, mas também

 o sotaque rascante do asfalto.

 Fale a língua do chão.

 Percorra praças, avenidas, ruas,

 mas também vielas e camarotes.

 Apare o suor do folião-pipoca

 e o dos que saracoteiam, à força

 de uísque, vinho e espumantes.

 Tenha olhos para ver o que sonha

 o som, o ganido das guitarras,

 mas também os seus gritos,

 a luta ancestral dos tambores.

 Liberte-se da mornança displicente.

 Descomplique-se. Na ponta

 dos dedos, nas teclas, no “mouse”,

 onde olhos são acentos, digite

 almas, gestos, alegrias, dores.

 Seque a veia das drogas,

 extraia seiva dos murmúrios.

 Desenrole com os sentidos

 o turbante dos Filhos de Ghandi,

 o brilho das contas de seus colares,

desvende a trama da trança rastafári.

 Leve para o texto esta verdade:

 gestos pensados, maciez e doçuras

 proclamam Salvador capital da folia

 e da paz em corações aflitos.

 E faça tatuagens no computador.

Salvador, 16-02-07

 

Ano Novo – Nouvelle Année

 

Pedras no caminho? Guardo todas; um dia vou construir um castelo… Dizia a poeta Cora Coralina.

É evidente que a vida prega peças e que 2012 foi um ano cheio; um pouco de coisas boas, algumas frustrações, algumas desavenças e momentos de alegria e felicidade.

O ano novo pode ser diferente, maravilhoso, divertido; mas certamente não será perfeito, em razão das pedras no caminho.

Mas, em 2013, quero um olhar novo e o coração tranquilo para desejar paz aos meus amigos, e uma luz tão serena em suas vidas quanto a da lua de Itaparica sobre as águas da Baía de Todos os Santos.

E como diz o poeta Idmar Boaventura,

… ano a ano,

Janeiro nos rejuvenesce,

com sua porção generosa

de esperança.

Por isso convido a todos para um brinde, proposto pelo poeta. Que o Ano Novo seja um Ano BOM. Feliz 2013!

A foto da lua cheia sobre a Baía de Todos os Santos foi feita por mim, em Mar Grande (Itaparica), e tem ao fundo a cidade de Salvador – Bahia

Maintenant la traduction pour les amis français :

Des pierres sur le chemin? Je les garde, toutes; un jour je construirai un château avec elles… Disait la poétesse Cora Coralina.

Il est évident que la vie nous donne des coups et que 2012 a été une année pleine; un peu de bonnes choses, quelques frustations, quelques malentendus et des moments de joie et de bonheur.

La nouvelle année peut être différente, merveilleuse, joyeuse; mais, certainement elle ne sera pas parfaite, à cause des pierres sur le chemin.

Mais, en 2013, je veux avoir un regard nouveau et le coeur tranquille pour souhaiter la paix à tous mes amis, et une lumière si sereine dans leur vie, comme celle de la lune d’Itaparica sur les eaux de la Baie de Tous les Saints, à Bahia.

Joyeux 2013!

                          Brinde

 

Antônio Brasileiro

Se a mente, que não é nada, mantém-se quieta

e as vozes do remorso não persistem,

eis o momento de desvendar enigmas,

de relembrar caminhos

e de tomar uns chopes com os amigos.

.

Pois se a mente, que não é nada, está quieta

– os enigmas mais crus, domesticados –

e o passado é um pássaro em nossa mão,

eis que o homem conhece a perfeição.

E como tudo passa tão rapidamente,

é bom brindar essas coisas com amigos.

 

Ano Novo!

 

Idmar Boaventura

Bendito seja Janeiro,

que nos dá a chance de começar             de          novo.

Dezembro é crepúsculo. Tem gosto

de coisas velhas guardadas na gaveta

com as luzinhas da árvore de natal.

Dezembro, mês de balanço,

é cansaço, desencanto.

O que não se fez. O que não se cumpriu.

O que poderia ter sido.

.

Mas quando Janeiro, menino,

desponta  no horizonte,

com sua roupa branca e cheiro de mar,

tudo se renova:

aquela dieta, o guarda-roupa, desencontros, amores:

tudo que havemos de ser,

ainda que não seja.

E assim, ano          a           ano,

Janeiro nos rejuvenesce,

com sua porção generosa

de esperança.

A lua cheia (sobre a Baía de Todos os Santos) vista de Itaparica; ao fundo, as luzes de Salvador.

Fonte: Dissonâncias no espelho – aqui

 

Os motivos de Cecília

 

Motivo

                                      Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.