Um poema de Pessoa

 Poema em linha reta

 Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas  vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita, indesculpavelmente sujo.

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

que tenho sofrido enxovalhos e calado,

que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

para fora da possibilidade do soco;

eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que  eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe – todos eles príncipes – na vida…

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó principes, meus irmãos,

arre, estou farto  de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu  que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as   mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos – mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

(Álvaro de Campos)

Curso Castro Alves 2011 – VI Colóquio de Literatura Baiana

ACADEMIA DE LETRAS DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LITERATURA E DIVERSIDADE
CULTURAL/UEFS

CURSO CASTRO ALVES 2011 – VI COLÓQUIO DE LITERATURA
BAIANA

28, 29 e 30 de setembro de 2011

PROGRAMAÇÃO GERAL

Local: Auditório
Magalhães Neto –ALB

28/09 – Quarta-feira

14h30 – Sessões de
Comunicações

17h – Filme: Castro
Alves
(direção: Silvio Tendler)

18h – Abertura.
Aramis Ribeiro Costa (ALB)

Coordenação:Carlos
Ribeiro (UFRB/ALB)

Conferência: As raízes libertárias de Castro Alves na
vanguarda baiana

Três exemplos: Glauber Rocha, Milton Santos e Carlos Marighella

Conferencista:
cineasta Silvio Tendler

29/09 – Quinta-feira

14h30 – Sessões de
Comunicações

17h00 – Mesa redonda:

Coordenação: Aramis
Ribeiro Costa (ALB)

Castro Alves: Lições de poesia

Evelina Hoisel (UFBA/ALB)

O impacto da
alta e da baixa auto-estima de Castro Alves em sua poesia

Joaci Góes (ALB)

28/09 – Sexta-feira

14h30 – Sessões de
Comunicações

17h00     – Conferência de encerramento

Coordenação: Aleilton
Fonseca

Conferência: Castro Alves : Hermano de
los pobres, hijo de la tempestad

Conferencista: María Pugliese (poeta,
professora da Universidad Nacional de Luján/Argentina)

Presidente: Aramis Ribeiro Costa

Coordenação: Aleilton Fonseca

 

Mini-contos de Luís Pimentel

 

Partidas

Um dia ele foi. Seria só para melhorar de vida, voltaria para buscá-la. Ela ficou contando as noites, depois as rugas, as varizes, a espera infinita. Um dia, a carta: “Não volto mais, nunca mais, para esse fim de mundo”.

Lágrimas pingando no café, ela rabiscou no papel de pão: “Nem eu”. E morreu pouco depois de colocar a resposta nos Correios.

 

Sagrado Coração

Da parede, espetado no prego, o Sagrado Coração de Jesus assistia a tudo: as mãos escorriam do joelho pelas coxas, dedos de unhas sujas invadindo pelas beiradas da calcinha. – Estou conferindo o dever de casa da menina, meu bem.

Não doía tanto a mãe se fazer de sonsa, mas o comentário: “O seu padrasto é um pai para você”.

 O Sagrado Coração vermelho de raiva.

Um poema de Damário Dacruz

 

Observação do Tempo

 

Amanhecemos

com os olhos de amanhã

e o dia é hoje.

 

Anoitecemos

com os sonhos  de ontem

e a noite é hoje.

 

E de tanta

falta de sintonia,

de tanta busca

e farta agonia,

rabiscamos no calendário

a morte dos dias

(Damário da Cruz)

 

 

Nhô Guimarães está de volta!

 

Em 2008, ano em que se comemorou o centenário do escritor mineiro, João Guimarães Rosa, o Núcleo Criaturas Cênicas de Salvador/BA, realizou a adaptação do romance Nhô Guimarães (2006) para a linguagem teatral, do escritor baiano Aleilton Fonseca, escrito para homenagear os 50 anos do livro Grande Sertão: Veredas (1956) de João Guimarães Rosa. A adaptação para o teatro foi realizada por Deusi Magalhães e Edinilson Motta Pará, atriz e diretor desta montagem que teve sua pré-estréia no teatro do IRDEB em 27 de novembro de 2008. O projeto Nhô Guimarães Pelo Sertão do Núcleo Criaturas Cênicas foi um dos vencedores do Programa BNB de Cultura/2009.

O espetáculo, em forma de monólogo, transpõe para o palco a vida, as idéias e a mítica do nosso sertão, privilegiando a linguagem falada rica em neologismos, recheadas de palavras incomuns próprias dessas regiões e tão presente nas obras do autor mineiro. Esse tratamento é mantido na encenação como forma de valorização da diversidade lingüística, existente na língua portuguesa, especialmente a encontrada no sertão brasileiro.

Essa visão é apresentada através dos causos contados por uma senhora octogenária a um visitante. Entre uma estória e outra, a velha cita a presença de um amigo do falecido marido, Nhô Guimarães, senhor de jeitos elegantes, que sempre os visitava, com “seu ouvido bom de ouvir causos e seus óculos pretos de aros redondos”. Uma referência direta ao escritor mineiro João Guimarães Rosa. Enquanto relata suas lembranças, a velha desenvolve ações cotidianas, como coar um café, apertar um fumo de rolo, fazer um pirão, dar comida às galinhas etc., busca-se criar uma transposição de quem assiste para o ambiente do cotidiano interiorano.

O espetáculo é pura poesia. Para mais informações sobre o autor e o romance clique aqui.